
Qual a atitude humana, ética, correta, inteligente que a questão da imigração deve provocar? Como cabia a um líder católico, com o imperativo religioso de zelar pelos mais vulneráveis, o papa Francisco condenou a “globalização da indiferença” diante do fenômeno e chegou a dizer, numa indireta para Donald Trump, que quem erguia muros “não é cristão”. Faltou ao papa argentino a capacidade de ver o lado contrário, o dos habitantes de países que subitamente se veem submergidos em números insustentáveis. Um exemplo, entre tantos: cidadezinhas do interior da Inglaterra onde o governo paga hotéis de turismo para hospedar várias centenas de estrangeiros que chegam ilegalmente, mas têm o direito de pedir asilo, garantido por estatutos europeus. São homens jovens, vindos majoritariamente de países como Afeganistão, Irã, Síria, Sudão. Muitos já chegam com o esquema armado para trabalhar como entregadores por bicicleta, atividade em que podem ganhar 500 libras por semana. É desse dinheiro que sairá o pagamento para os traficantes que os colocaram em barcos de borracha para atravessar o Canal da Mancha. Qual a força humanamente aceitável capaz de impedir que um afegão, vindo de um país com 415 dólares de renda per capita anual, ganhe o equivalente a 16 000 reais por mês? Não existe.
“Não há apelo em nome da compaixão que impeça o voto em candidatos que prometem controlar a maré humana”
Como também não existe apelo em nome da compaixão que impeça uma boa parte do eleitorado de votar em candidatos que prometem controlar a maré humana. Foi esse um dos principais motivos da eleição de Trump — e ele correspondeu plenamente, com métodos duros e até legalmente discutíveis, mas efetivos. Pagar 1 000 dólares para quem se dispuser a ir embora é a última novidade. A fronteira com o México hoje está vazia. A encenação repressiva não corresponde aos números reais de deportações, mas foi suficiente para funcionar como fator de intimidação. E os adversários democratas foram empurrados para posições desconfortáveis, como defender a causa de Kilmar Ábrego García, um dos clandestinos deportados para a duríssima penitenciária de El Salvador destinada aos quadrilheiros que barbarizavam o país inteiro. Duas narrativas se formaram em torno dele: um sujeito honesto, bom pai e marido, que cozinhava idilicamente para a família; ou um membro da gangue MS-13 que espancava furiosamente a mulher. Os áudios das denúncias dela à polícia são uma prova incontestável dessa última parte. Tudo mais continua em discussão.
A imigração descontrolada empurra o eleitorado para a direita e provoca surpresas como a estarrecedora vitória do partido Reforma em eleições municipais na Inglaterra. Uma projeção nacional com base nesses resultados indica que, hoje, seu líder, o folclórico Nigel Farage, seria propelido a primeiro-ministro, desbancando o Partido Trabalhista, para não mencionar os massacrados conservadores, uma guinada quase inacreditável.
A ascensão da direita populista na Europa hoje tropeça apenas em obstáculos institucionais, como a condenação por desvio de verba de Marine Le Pen na França, tornando-a inelegível. Agora, o serviço de inteligência alemão recomendou a classificação do Alternativa para a Alemanha como partido extremista, o que o levaria a ser colocado na ilegalidade. Evidentemente, só aumenta o ressentimento da sua crescente fatia do eleitorado e diminui o dos que têm dilemas morais sobre a enchente humana. A pergunta inicial continua procurando por respostas.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2025, edição nº 2943