História de sucesso: do Twitter à vice-presidência, a marca dos indianos
A ascensão de Parag Agrawal ao comando da rede social é o mais recente exemplo das conquistas de indianos ou descendentes que fazem a América

Ele é “curioso, inquisitivo, racional, criativo, exigente, consciente e humilde”. Também “lidera com o coração e a alma” e conhece “profundamente a empresa e suas necessidades”. Só faltou ter se sentado na Santa Ceia, ironizaram espíritos menos piedosos sobre a imagem pintada por Jack Dorsey do escolhido para sucedê-lo no Twitter, Parag Agrawal,
O chefe que sai tem sempre que cobrir de elogios o chefe que entra, mas Dorsey caprichou. Agrawal está há dez anos no Twitter e sua ascensão ao topo dos topos diz tanto sobre seus trunfos pessoais quanto sobre a história de sucesso dos indianos nas Big Techs.
Os tempos de programadores que trabalhavam mais e ganhavam menos estão ficando para trás e hoje é impressionante a quantidade de indianos que fizeram a América, em especial naquele solo sagrado do Vale do Silício onde praticamente todos os gênios do mundo querem conquistar um espaço.
Poucos, hoje, estranham que Satya Nadella seja CEO da Microsoft ou que Sundar Pichai tenha o mesmo posto no Google, onde o vice-presidente sênior é Amit Singhai. Shantanu Narayen também tem o cargo das três letrinhas na Adobe.
São indianos os criadores de 15% das startups. Existem também as organizações que não visam o lucro como a que tem o melhor nome de todas: Girls Who Code. A missão da empresa é diminuir a diferença entre a quantidade de homens e mulheres no mundo da tecnologia e mudar os estereótipos sobre os programadores. Ou as. Não há nada de estereotipado a respeito de sua fundadora, a sempre bem produzida Reshma Saujani.
Reshma é americana descendente de indianos, como a vice-presidente Kamala Harris. De origem jamaicana pelo lado do pai, afastado depois da separação, Kamala foi criada sob a influência da mãe, Shyamala Gopalan, biomédica da área de pesquisas sobre câncer de mama.
“Os americanos de origem indiana estão tomando o país”, brincou Joe Biden ao falar com a cientista Swati Mohran, que passou oito anos no programa da NASA que pousou o veículo robotizado Perseverance em Marte. Ao todo, ele indicou 55 pessoas de origem indiana para altos cargos.
Se Kamala não estivesse tão mal nas pesquisas, daria até para especular sobre uma eleição presidencial onde a disputa fosse entre duas mulheres de origem indiana: ela e Nikki Haley, a ex-governadora da Carolina do Sul que Donald Trump nomeou embaixadora na ONU, cargo que ela deixou precocemente por motivo que não revela de jeito nenhum.
Caso uma das duas fosse eleita, poderia, eventualmente, ter como interlocutor no governo britânico Rishi Sunak, ministro das Finanças e considerado um potencial líder do Partido Conservador, o que o levaria à chefia do governo. Ou Priti Pattel, atual ministra do Interior.
Qual o motivo do sucesso dos indianos que saem do segundo país mais populoso do mundo e não só buscam como encontram oportunidades melhores no exterior?
Estereótipos nacionais sempre têm algum fundo de verdade e no caso dos indianos pesa aquele que fala na combinação de trabalho e estudo, comum também a outros países asiáticos. O pacto fundador estabelece que os pais farão tudo para educar os filhos e estes retribuirão correspondendo às exigentes expectativas – fora a responsabilidade por eles na velhice.
Existe também uma tradição de estudo de ciências, principalmente matemática. A Índia tem ganhadores de prêmios Nobel praticamente em todas as categorias científicas.
Até o colonialismo britânico, com todos os seus defeitos, deixou heranças positivas: o ensino do inglês que unificou o país (com suas 22 línguas, fora incontáveis dialetos) e o método ocidental de educação e de organização social, necessários para quem quer transitar pelo mundo desenvolvido.
Nos Estados Unidos, os indianos são considerados uma minoria modelo porque “têm nível mais alto de educação, empregos melhores e são mais prósperos do muitas populações de outros imigrantes”, escreveu, estourando de orgulho, o Times of India.
Também é mais fácil subir na vida quando não há sistemas de castas (extintos no papel, mas não na vida real), profundas divisões étnicas e religiosas e outros fatores negativos que subsistem na Índia.
A Índia tem 140 bilionários na lista de 500 da Forbes. Mais, só Estados Unidos e China. Do mais anônimo programador do Vale do Silício a Mukesh Ambani (102 bilhões, o mais rico da Ásia), ninguém ficou esperando a sorte passar distraída pela frente.
Parag Agrawal agora tem o Twitter nas mãos – e o poder formidável que ele lhe confere, um poder desproporcional e intimidante. Será que vai corresponder a tanta responsabilidade?
“Nosso papel não é ser limitados pela Primeira Emenda, mas contribuir para um diálogo público saudável”, disse ele no ano passado, mostrando ter incorporado o vocabulário progressista que impregna as Big Techs e com uma péssima ideia sobre o que o primeiro artigo da constituição americana representa.
É claro que não disse que o Twitter também quer ganhar dinheiro e se manter relevante, num mundo tão volúvel e cheio de concorrentes. Não precisa ser indiano, nem ter barba de profeta como Jack Dorsey, para perceber que é uma missão complicada.