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Haverá punição para militares russos como o carrasco de Bucha? Não

Esta é a realidade dos fatos; ela não elimina a importância de registrar e apurar crimes de guerra na Ucrânia, mas limita o alcance do debate

Por Vilma Gryzinski 7 abr 2022, 05h30

Antes da mobilização das tropas para a invasão da Ucrânia, o tenente-coronel Azatbek Omurbekov, um russo de ascendência asiática baseado na cidade siberiana de Khabarovsk, falou em tom quase lírico da missão que viria pela frente.

“A história mostra que lutamos a maior parte das nossas batalhas com nossas almas. As armas não são a coisa mais importante”, disse ele depois de uma cerimônia religiosa em Khabarovsk.

Não é preciso ser nenhum Clausewitz para entender a importância do fator moral – ou espiritual, como disse o comandante russo – quando homens vão à guerra.

A suprema ironia é que os comandados por Omurbekov torturaram e mataram civis de mãos amarradas, estupraram, saquearam e até esmagaram com tanques carros – com seus ocupantes dentro – que estavam no seu caminho em Bucha, a cidade desocupada pelos russos que virou sinônimo de abominações espantosas.

O tenente-coronel foi identificado, com nome e endereço, como o comandante da brigada blindada que ocupou Bucha por um grupo de voluntários ucranianos que vasculham fontes públicas na internet. Os detetives virtuais têm um nome curioso, InformNapalm.

Outra informação encontrada na internet, pelo site Meduza, mostra soldados russos na Belarus, país usado como uma das bases da invasão, despachando em pacotes, malas e outras embalagens os produtos eletrônicos saqueados na Ucrânia. Parece um esquema bem profissional.

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O vídeo mostra como existem informações preciosas que podem ser garimpadas por gente com muita paciência e muita gana de justiça. O Ministério Público da Ucrânia ainda está investigando os abusos cometidos em Bucha – uma tarefa a mais de uma lista muito longa: já são mais de 14 mil processos abertos por denúncias de crimes de guerra.

O presidente Volodymyr Zelensky pediu na ONU uma espécie de Tribunal de Nuremberg para esses crimes revoltantes.

Pedir o impossível virou a missão dele – zona de exclusão aérea que os Estados Unidos não decretarão, aviões de guerra que não serão liberados, corte imediato das importações europeias de gás e petróleo russos e, agora, justiçamento dos criminosos.

Infelizmente, as chances de julgamentos internacionais são praticamente zero.

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Nuremberg só aconteceu porque a Alemanha nazista foi derrotada e as quatro potências vencedoras – Estados Unidos, União Soviética, França e Inglaterra – estavam de acordo em levar ao banco dos réus figurões do nazismo que haviam sobrevivido.

Muitas pessoas também ficam angustiadas com a impunidade e perguntam por que o “mundo”, ou a ONU, não interfere para salvar a Ucrânia.

Acontece que a ONU não é uma República Galática, como em Guerra nas Estrelas. É uma espécie de condomínio em que todos têm direito de voto, mas os donos das coberturas – os membros permanentes do Conselho de Segurança: Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra – têm direito de veto.

Qualquer intervenção, como uma força de paz, tem que passar pelo filtro russo.

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Na hipótese, também inexistente, de que o Tribunal Internacional de Justiça – que interfere em diferendos entre nações – aprove a iniciativa contra a Rússia apresentada pela Ucrânia, ela teria que ser endossada pelo Conselho de Segurança.

A nível individual, qualquer ação  passaria pela Corte Criminal Internacional. Os acusados têm que ser encaminhados pelos respectivos países, o que igualmente elimina qualquer hipótese de punição.

Geralmente, os casos de crimes contra a humanidade (cometidos em tempos de paz) que chegam ao nível internacional são de ditadores africanos derrubados do poder e caídos em desgraça. Vladimir Putin não vai entrar nessa turma tão cedo e mesmo que aparecesse um novo Gorbachev e o regime mudasse, outra hipótese implausível, seria inconcebível uma expatriação.

Para os crimes cometidos na ex-Iugoslávia, com atrocidades cometidas por políticos e militares sérvios -, foi instituído um tribunal específico. Só quando caiu o governo de Slobodan Milosevic é que o ex-presidente foi entregue para julgamento (morreu preso em Haia).  Ratko Mladic, o carrasco de Srebenica (mais de oito mil muçulmanos bósnios exterminados) passou seis anos “foragido” na Sérvia até ser preso.

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Ações contra indivíduos como o tenente-coronel Omurbekov teriam no máximo o efeito de impedi-lo de viajar a algum país onde um mandato internacional poderia redundar em sua prisão.

Omurbekov, como tantos outros russos, não parece ter planos de viagem tão cedo.

Dá desânimo constatar a garantia de impunidade para crimes tão horríveis – e nojo ver os desmentidos grotescos da Rússia, que atribui as vítimas a uma armação ucraniana.

Tetricamente, a condenação moral – a única possível – parece ter tido alguma consequência. Autoridades municipais de Mariupol, a cidade já quase totalmente dominada no litoral do mar de Azov, disse que militares russos estão usando caminhões-crematórios para sumir com os corpos de vítimas de atrocidades.

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Mesmo nos casos de crimes de guerra em que houve ritos jurídicos, os resultados são sempre insatisfatórios. Dos 24 alemães condenados à morte, treze foram executados.

A desproporção com o mal causado é gritante. Por volta de 50 milhões de pessoas morreram na guerra iniciada pela Alemanha nazista – e mais cerca de 20 milhões em consequência de doenças e inanição.

Só mesmo a alma , já que ele acredita nela, do tenente-coronel Azatbek Omurbekov poderá pagar pelo horror de Bucha – e não nessa vida, onde os militares russos são abençoados por padres ortodoxos e doutrinados para acreditar que têm uma missão cristã a cumprir na Ucrânia, uma das mais surreais distorções da era Putin.

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