Haniyeh: assassino cruel que vivia no luxo e se passava por ‘moderado’
Líder eliminado com míssil na sua casa em Teerã seria a face do Hamas mais sujeita a negociações, mas essa ilusão Israel não tinha mais
Ismail Haniyeh provavelmente se considerava seguro. Desfrutava da hospitalidade generosa em países como o Catar e a Turquia, tinha uma casa em Teerã e uma fortuna calculada em quatro bilhões de dólares. Como a “face internacional” do Hamas, teoricamente mais moderado do que o radical Yahya Sinwar, enfiado nos túneis de Gaza, podia ser o líder terrorista que interessava a Israel preservar para negociações, como tantas que havia feito no passado.
Estava, letalmente, errado.
Quando Israel prometeu matar todos os líderes do massacre de 7 de outubro, não estava deixando espaço para um interlocutor que poderia eventualmente ser importante, em especial para forçar um acordo de libertação dos sequestrados israelenses presos, torturados e abusados sexualmente no cativeiro.
Hanyeh sabia da ambiguidade de sua posição. Exaltou o “martírio”, como fazem todos os palestinos, quando três de seus filhos morreram num ataque aéreo em Gaza. Os filhos tinham ido num carro só a um bairro de Gaza para celebrar o festival religioso do Eid. Eram todos, obviamente, do Hamas.
ATAQUE CIRÚRGICO
No Catar, Haniyeh provavelmente estaria a salvo: Israel precisa do papel mediador do emirado, um dos financiadores do Hamas e não iria praticar um assassinato em seu território. Talvez não tenha sido uma boa decisão ter uma casa também no Irã, por mais que o complexo militar do regime xiita seja impressionante.
O ataque que o matou foi cirúrgico: atingiu Hanyeh e um segurança.
Hanyeh era de Gaza e, ironicamente, foi professor de uma escola da UNRWA, a organização da ONU inteiramente aparelhada pelo Hamas cujas escolas ensinam o ódio aos judeus e a glorificação ao terrorismo. Começou na militância através do xeque Ahmed Yassin, o líder religioso que configurou a versão islamista radical do nacionalismo palestino que redundou no Hamas. Yassin também teve um encontro fatal com um míssil israelense, em 2004.
Era primeiro-ministro da época em que o Hamas travou a pequena guerra civil com os palestinos da Fatah, a facção mais conhecida, liderada por Yasser Arafat em vida, e, originalmente, sem o teor religioso que se tornaria a marca dos fundamentalistas.
Em Moscou, Pequim, Ancara ou Teerã, tornou-se a “cara” do Hamas por ter deixado Gaza e passado a representar os radicais nos países que lhe abriam as portas, com honras e luxos inimagináveis para os palestinos vivendo na dureza de Gaza. Obviamente, a causa estava acima de tudo. Mas havia críticas internas, dos mais radicais ainda.
TERRORISTA GLOBAL
Sua morte complica as negociações já emperradas pela libertação dos reféns e um cessar-fogo que eventualmente se torne permanente. Também coincide com uma situação gravíssima no Líbano, onde Israel tem que vingar a morte de doze crianças drusas, explodidas por um foguete do Hezbollah, e decidir se parte ou não o conflito total com a organização xiita que hoje controla o país.
Ontem, o número dois da estrutura militar do Hezbollah, Fuad Shakr, foi alvo de um bombardeio israelense. Em última instância, foi ele o comandante das forças que alvejaram a aldeia drusa de Majdal Shams, matando as crianças num campo de futebol. Sua morte representa a vingança exigida pelos drusos ou o preço ainda não foi cobrado?
O quadro geral no momento indica um agravamento dos diversos conflitos e atores que guerreiam Israel: Hamas, Hezbollah, Irã, huthis do Iêmen, milícias xiitas do Iraque. Provavelmente também torna mais difícil um acordo que libere os sequestrados, principalmente as mulheres jovens a respeito das quais há todos os motivos para suspeitar de abusos sexuais constantes.
Ismail Hanyeh, designado Terrorista Global pelos Estados Unidos, talvez traga para Israel tantos problemas morto quanto trazia em vida e o Irã, outra vez humilhado, pode se sentir tentado a uma retaliação. Mas, pelos padrões vigentes no Oriente Médio, é um trunfo para Israel. Fez, pagou.