Grande salto para trás: em crise, China aumenta produção de carvão
E a Índia também. Disparada causada por emergência energética coincide, ironicamente, com a cúpula do clima na Escócia

Limpar o ar constantemente poluído, que dá a cidades chinesas o jeito de Blade Runner, e restaurar o meio-ambiente degradado constam dos principais compromissos assumidos por Xi Jinping e toda a máquina partidária que o sustenta.
Na hora de uma emergência como a atual, a realidade do curto prazo fala mais alto. Com a COP26 para começar em Glasgow, embora sem a presença do maior emissor de gases de efeito poluente, a China está colocado o pé no acelerador da mudança climática: a produção de carvão, o “mais sujo” dos combustíveis fósseis, está aumentando para reforçar a rede elétrica que já dava sinais de pane.
Entre parar indústrias e deixar a população passar frio no inverno que se aproxima, o governo chinês optou por reabrir ou expandir a produção de minas de carvão. A meta é produzir 220 milhões de toneladas a mais em um ano – um aumento de 6%.
Segundo avaliou para o New York Times o pesquisador norueguês Jan Ivar Korsbakken, isso vai ser equivalente a um ponto percentual a mais na produção planetária de dióxido de carbono. Ou seja, a conferência climática já começa com o mundo andando para trás, apesar de promessas como a da própria China, de zerar a emissão de carbono até 2060.
Em compensação, os apagões que chegaram a parar fábricas estão quase neutralizados. O esforço coletivo e a capacidade de trabalho dos chineses são legendariamente excepcionais.
Como maior produtor e consumidor mundial de carvão, o país tem uma história estreitamente associada com o combustível formado por plantas fossilizadas há mais de 400 milhões de anos. Foi o carvão que moveu a industrialização da China e alimentou delírios como o Grande Salto Adiante, o programa de Mao Tsé Tung para acelerar este processo.
Nesse período, todas as comunas chinesas passaram a arrancar carvão para alimentar pequenos fornos improvisados onde camponeses acostumados à lida com a terra tinham que produzir vergalhões de aço. A produção de alimentos despencou e as siderúrgicas domésticas, obviamente, fracassaram, combinação que provocou uma fome de proporções bíblicas, responsável por tragar um número calculado em até 20 milhões de vidas.
Para salvar a própria carreira, Mao inventou a Revolução Cultural, desfechada primordialmente contra os mais fieis quadros do partido. Além de serem tirados da cidade e levados para o campo, muitos chineses sem nenhuma experiência, incluindo estudantes, acabaram no trabalho bruto da extração de carvão.
A China não está sozinha na reativação de minas de carvão para poupar o país da emergência energética. A Índia governada pelo primeiro-ministro Narenda Modi criou um programa para chegar a produção de carvão a um bilhão de toneladas em 2024.
O segundo país mais populoso do mundo depende em 70% do carvão para a geração de energia, ganhando assim um lugar de destaque entre os campeões de produção de gases associados ao efeito estufa.
Modi prometeu um “salto quântico” na economia pós-pandêmica, mas a referência high tech é uma fachada para a produção bem low tech de energia baseada no carvão.
Até o Reino Unido, onde Boris Johnson entendeu muito bem o apelo mercadológico do discurso ambientalista, precisou recorrer à matriz tão associada à Revolução Industrial. A alta do preço do gás natural e a temporada de poucos ventos exigiram que as termoelétricas recorressem ao velho carvão. Em proporção mínima – 3% -, mas suficiente para evocar os tempos das grandes cidades britânicas mergulhadas numa nuvem eterna de partículas negras.
Em 2019, a Grã-Bretanha passou quinze dias seguidos sem usar carvão para produzir eletricidade pela primeira vez desde 1882. Até 2025, se a crise energética não se agravar, deve chegar à desativação total.
O reino gera apenas 1,1% das emissões globais de gases maléficos. A China produz 28%. Os que ficaram ricos antes – no fabuloso processo de criação de riqueza propiciado pela Revolução Industrial – têm a obrigação moral de dar exemplos positivos para melhorar as perspectivas ambientais do planeta.
Mas os novos ricos não podem ser eximidos de responsabilidade. Não é um dilema fácil. Que país se arrisca a deixar a própria população e a economia desguarnecidas numa crise energética? Um “pouquinho” mais de poluição não vale a pena para evitar catástrofes? Quem tiver respostas prontas que as apresente.