França clama por maioridade penal aos 16 e responsabilização dos pais
Entre outras medidas propostas por partidos de centro e direita que contam com apoio maciço da opinião pública para punir a violência
Não acreditem no que tantos órgãos de imprensa dizem sobre a explosão de violência na França, acusando a polícia de ser racista e os jovens que devastaram inúmeras cidades de serem pobres vítimas de uma sociedade que os discrimina.
Os franceses, pelo menos, não acreditam, mesmo que sejam os campeões mundiais de professores universitários e outros iluminados da casta acadêmica que põem a culpa na população. Várias pesquisas feitas depois da onda de destruição que se seguiu à morte de Nahel Merzouk, de 17 anos, por arrancar com um carro irregular diante de dois policiais de moto que o perseguiam por direção perigosa na faixa de ônibus, mostram resultados impressionantes.
Por exemplo, 77% confiam na polícia — 18% não confiam, segundo uma pesquisa BVA. Também 77% acham que a polícia age, de forma geral, dentro dos princípios de obediência aos regulamentos necessários para a instituição à qual a sociedade concede o uso da força.
Outros resultados majoritários: pena de prisão fechada para os destruidores do patrimônio público e diminuição da maioridade penal para 16 anos — que enquadraria a grande maioria dos responsáveis pelas depredações, saques e incêndios, na faixa dos 17 aos 18 anos — e até reinstauração do serviço militar obrigatório, abolido em 1995, como forma de propagar ensinamentos básicos sobre disciplina para jovens.
O tradicional partido de centro-direita, Republicanos, autor de várias dessas propostas, também quer que os diversos auxílios sociais recebidos por mães e pais de jovens detidos sejam cortados. E que os pais sejam responsabilizados, com multas, por permitirem que seus filhos saiam as ruas e ponham fogo nas cidades.
As “sanções financeiras” aos pais são apoiadas por nada menos que 77% da opinião pública. E 75% apoiam a cassação da cidadania dos responsáveis pela baderna que tenham dupla nacionalidade, em geral de países como Argélia e Tunísia, origem da maioria da população com ascendência estrangeira.
Na hora do balanço da terrível destruição, que alcançou mais de 5 500 veículos, inclusive de transporte público, e 1 100 edificações, o desespero se manifesta em propostas como a do prefeito se Saint-Gratien, Julian Bachard, exasperado com a violência insana que levou ao incêndio do centro cultural Camille Claudel e da área pública de esportes de sua cidade, instituições mantidas, como diz o nome, em favor do público.
Bachard anunciou para a população que não ia reconstruir nada enquanto “nós não tivermos os nomes dos autores dos fatos”. É injusto que moradores paguem pela destruição “causada por bandos de jovens menores cujos pais não os vigiam”.
É claro que ele não pode fazer isso, mas o simples fato de que proponha uma espécie de delação obrigatória mostra o estado de quase desespero de grande parte da população. Uma pesquisa feita pelo jornal Le Figaro mostrou que 84% dos franceses sentiram raiva diante das cenas violentas que se espalharam durante quase uma semana e 66% ficaram com medo. Pior: nada menos que 89% ficaram preocupados com o futuro do país. E 71% querem diminuir os fluxos migratórios.
O policial que matou Merzouk, Florian Menesplier, continua preso e o endereço de sua casa foi divulgado em blogs de extrema esquerda. A Justiça diz que ele deve continuar na temporária para não combinar versões com o outro policial envolvido e também porque haveria o risco de um recomeço da violência se ele fosse solto. Ou seja, tem medo da reação a uma iniciativa que “poderia reativar as perturbações excepcionais da ordem social”.
Mas os franceses não culpam a si mesmos pela violência e sim “a falência de nossa política migratória” por possibilitar a entrada no país de uma grande quantidade de estrangeiros sem condições de assimilação. Outros fatores que apontam: aumento da criminalidade e do tráfico de drogas (62%) e desaparecimento da autoridade parental e das escolas (47%). Só 25% culpam as dificuldades econômicas e sociais da população de origem árabe e africana. Apenas simpatizantes do partido de extrema esquerda, França Insubmissa, têm uma maioria — 60% — que “compreende” a razão da violência. Nos números gerais, essa proporção cai para 18%.
A representatividade dos políticos eleitos também está ruim. Marine Le Pen, da direita dura, que teria mais a lucrar com o derretimento da ordem e a violência entre a população de origem migrante, sua grande bandeira, foi escolhida por 35% da opinião pública como quem mais representou os sentimentos dos franceses durante a crise. Quando a baderna estava no auge, com risco de afundamento total da ordem, ela foi cautelosa e disse que não era o momento de criticar o governo. Em seguida, passou a fazer exatamente isso.
Emmanuel Macron recebeu apenas 20% de apoio nessa pesquisa, onde a opção mais “votada”, com 37%, foi “Nenhum deles”.
A crise de representatividade é apenas um dos problemas graves do país. Vários intelectuais de direita — existe isso na França — têm dito nos últimos anos que o país corre o risco de uma guerra civil, um racha da população de origem migratória e, na maioria, religião muçulmana, muitas vezes usada para criar uma identidade separada e oposta à francesa. “Os acontecimentos mostraram que a desintegração ameaçou nosso país e que, sem a diminuição dos fluxos migratórios, ela se tornará inevitável”, disse, de modo bem direto, um dos intelectuais mais ouvidos da França, Alain Finkielkraut.
Um exemplo, por enquanto muito limitado, de que esse terrível caminho não é tão hipotético assim: homens jovens, fortes, de rosto coberto e com treinamento militar interferiram no quebra-quebra na cidade de Lorient, imobilizando pessoas que participavam da violência e as entregando, com algemas de plástico, à polícia. Numa entrevista anônima a um jornal local, um fuzileiro naval de 25 anos disse que um grupo de trinta colegas, de uma base da Marinha na cidade, entrou em ação “para não deixar o país pegar fogo”. A Marinha está investigando.
Alguma dúvida de que isso pode acontecer, e em escala maior, quando, inevitavelmente, uma nova onda de violência engolfar a França?
Um dos sinais de que a normalização pode derrapar a qualquer momento é a grande mobilização de segurança que cerca a comemoração da data nacional, o 14 de julho, o revolucionário dia da tomada da Bastilha. A proibição de fogos de artifício, abundantemente usados para atacar policiais e incendiar prédios, mostra a instabilidade.
A França teme que a parcela de seus habitantes que não se consideram franceses arme novo quebra-quebra nessa sexta-feira, um dia que deveria ser de festa nacional. Não é, definitivamente, uma situação saudável e nem há nenhuma solução viável à vista.