Estariam democratas como John Fetterman cedendo à sedução de Trump?
Bilionários de big techs estão cheios de boa vontade, Barack Obama se desmanchou em sorrisos e até senador oposicionista se aproximou de Mar-a-Lago

“O objetivo é pedir que eu seja o papa da Groenlândia”, tripudiou John Fetterman sobre o encontro anunciado com Donald Trump, deixando o mundo democrata em estado de alta ansiedade.
Estaria o senador democrata prestes a ser cooptado pelo odiado Trump?
Fetterman tem sido um político diferente – e não apenas pelos 2,03 metros de altura, o costume de usar bermudão e moletom até em sessões no Senado e o esforço que ainda precisa fazer para entender e responder perguntas depois de sofrer um grave AVC.
Ele pensa fora da caixa e faz isso com estardalhaço. Mantém uma posição de apoio ostensivo a Israel desde o ataque do Hamas, em outubro de 2023. Forrou as paredes de seu gabinete com retratos dos reféns levados para Gaza e saiu com uma bandeira israelense quando manifestantes pró-Hamas foram protestar na frente do Senado.
Também assumiu posições mais heterodoxas, do ponto de vista democrata, em relação à imigração ilegal e à exploração de petróleo. Alguns simpatizantes republicanos passaram a propor que ele mudasse de partido e, nesse clima, surgiu o convite de Trump para ir a Mar-a-Lago, o palacete onde mora na Flórida, local descrito pelo presidente eleito como “o centro do universo”.
PEREGRINAÇÃO DOS CHEFÕES
Mesmo com a personalidade diferente de Fetterman, o encontro anunciado não deixou de ser uma surpresa. Da mesma forma que causou estupor entre democratas a conversa amistosa de Trump com Barack Obama no velório de Jimmy Carter.
“Temos filosofias um pouco diferentes. Mas nos entendemos bem. Eu me entendo bem com praticamente todo mundo”, vibrou Trump.
Para ele, foi certamente uma vitória de relações públicas: num ambiente cercado de inimigos (Joe Biden, Bill Clinton e Hilllary, Kamala Harris e George Bush filho, para ficar nos principais), ele apareceu ao lado de um Obama sorridente e simpático, sem a expressão forçada exibida quando transmitiu o poder, em 2017.
Também está contando pontos a favor a peregrinação de chefões das empresas big tech a Mar-a-Lago para conversas amistosas e alguns milhões doados ao fundo de posse.
BOM DE BRIGA
“É raro, se não sem precedentes, que um líder recém-eleito tenha tantos líderes mundiais e CEOs mudando de posição ou de atitude tão flagrantemente durante a transição para cair nas graças do no novo presidente”, escreveu o Axios.
A “conversão” dessas figuras tão poderosas e influentes começou com o atentado do qual Trump escapou por centímetros. Elon Musk anunciou apoio imediatamente depois de vê-lo e levantar do chão com o punho fechado. Virou, depois, quase uma sombra de Trump, com a função de reduzir desperdícios no próximo governo, da qual certamente extrapolará.
Mark Zuckerberg também se impressionou com a demonstração de que Trump é bom de briga – usou uma expressão um pouco mais crua. Agora, está sendo acusado de traição e de adesismo, sem contar o ridículo prazo de 72 horas, emanado de círculos do terceiro mundo, para se explicar sobre o fim do sistema de checagem de fatos nas suas redes, Facebook e Instagram.
Numa entrevista a Joe Rogan, o podcast em que todos querem estar, ele falou em termos positivos sobre Trump. “Eu acho que ele só quer que a América ganhe”, disse, com seu novo visual de cabelos encaracolados mais compridos, corrente de cantor de rap no pescoço e relógio de 900 mil dólares no pulso.
“DIREITIZAÇÃO” GERAL
Jeff Bezos já se declarou “otimista” com o próximo governo e empresas extremamente comprometidas com ideias opostas às de Trump, com o Google e a Microsoft, também entraram com a cota de um milhão de dólares para as festividades da posse que não são bancadas por dinheiro público. Bezos, Bill Gates e Sundar Pichai já foram a Mar-a-Lago. Zuckerberg apareceu na última sexta-feira.
São todos interesseiros que querem se dar bem com o novo governo ou veem sinceramente aspectos positivos em propostas de Trump? Estaria o presidente agora sendo “normalizado”, para horror da oposição? Ou o fenômeno da “direitização” geral está se expandindo?
“Ninguém falou nada de ruim sobre mim. Não estou acostumado”, brincou Trump, referindo-se à longa lista de visitantes importantes.
O diálogo entre pessoas de diferentes concepções políticas deveria ser a coisa mais natural do mundo, mas até nos Estados Unidos parecia empacado pela era da hiperpolitização. Encontros do tipo deveriam ser saudados como uma evolução, não um atraso.