![DENVER, CO - FEBRUARY 20: UCHealth pharmacist Marissa Kim prepares a dose of the Pfizer-BioNTech COVID-19 vaccine during a mass vaccination event in the parking lot of Coors Field on February 20, 2021 in Denver, Colorado. UCHealth plans to administer 10,000 second doses to seniors over 70 during the drive-up event this weekend. (Photo by Michael Ciaglo/Getty Images)](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2021/02/GettyImages-1231285620.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Sem a vacina, estaríamos muito pior. Mas com a vacina não estamos tão bem como esperávamos quando surgiram os primeiros imunizantes, numa velocidade acelerada que encheu a humanidade de entusiasmo pelo inédito feito científico. Psicologicamente habituados a resultados 100% positivos, como na pioneira vacina da varíola ou no caso de uma doença multifacetada como a meningite, agora vivemos uma espécie de ressaca. A variante ômicron, mesmo com efeitos ainda em estudos, derrubou os ânimos e as bolsas. A situação é pior em países europeus que já passaram por confinamentos estritos e agora são empurrados para novas restrições. A perspectiva de voltar a passar um inverno em quarentena está alimentando um fenômeno chamado de cinismo da vacina, uma espécie de desilusão com promessas que não conferem inteiramente com a realidade ou com as expectativas criadas. Cada morte de um duplamente vacinado é vista como exemplo de ilusões perdidas — exemplo errado, pois a imunização ainda evita número muito maior de hospitalizações e mortes.
“Psicologicamente habituados a resultados 100% positivos, vivemos uma espécie de ressaca”
Mas não é o manto de invulnerabilidade que tanto desejávamos. Hoje estão morrendo em média 800 pessoas por dia de Covid-19 nos Estados Unidos, um número pouco auspicioso. Até recentemente, os não vacinados eram 90% desses mortos; agora, a proporção já se aproxima dos 50% de cada lado. A conta certa tem de ser feita levando em consideração o porcentual total de cada grupo, vacinados e não, mas a mente humana quer explicações mais fáceis e que coincidam com o atual estado de espírito de fadiga psicológica diante de um vírus que está nos dando um baile atrás do outro.
Vamos viver tomando doses de reforço da vacina contra a Covid? Depois da terceira, virão a quarta, a quinta, a sexta? “Não é irrazoável”, resumiu o ministro da Saúde de Israel, sobre a iminência da quarta dose. A perspectiva de vacinações sucessivas alimenta o desalento dos que se inclinam a rejeitar a imunização ou a sua obrigatoriedade. Na Europa, os partidários da antivacinação são geralmente simpatizantes da direita dura ou, no espectro oposto, defensores da medicina natural e do modo de vida equivalente. A bronca com a obrigatoriedade da imunização bebe do mesmo combustível inflamável que alimentou a Revolta da Vacina, no Rio de 1904, uma cidade perigosa por causa dos miasmas das doenças transmissíveis. Curiosamente, a interpretação esquerdista da história sempre tentou mostrar esse movimento popular como um episódio da luta de classes, turbinado pela brutalidade do presidente Rodrigues Alves e do sanitarista Oswaldo Cruz, na campanha de higienização que incluiu desde a destruição de barracos no centro do Rio até a prisão dos que recusavam a vacina contra a varíola e a condenação de revoltosos a trabalhos forçados em seringais de lugares remotos como o Acre. Detalhe: Rodrigues Alves posteriormente se tornou o primeiro presidente reeleito no Brasil, mas nem chegou a tomar posse. Morreu em 1919, de gripe espanhola, a grande epidemia que introduziu a humanidade ao conceito de máscaras e quarentenas. Perto dela, a Covid-19 é um passeio. Mas que cansa, cansa.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2021, edição nº 2767