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Emirados: princesa fugitiva, morte em orgia gay, contrabando

Escândalos se acumulam para os minúsculos e bilionários enclaves árabes onde o gás e o petróleo criam fortunas estonteantes e a religião aperta a liberdade

Por Vilma Gryzinski 3 jul 2019, 15h56

Imaginem um pai que perde dois filhos para a droga.

Imaginem que esse pai é o emir, ou príncipe, de um dos reinos do deserto movidos a petrodólares onde a religião muçulmana é seguida da maneira mais estrita.

E imaginem que a morte mais recente tenha sido do filho de 39 anos, durante uma festa no seu apartamento de cobertura em Londres onde rolavam cocaína e sexo.

A morte de Khalid bin Sultan Al Qasimi, que tinha o título de xeque como filho do emir de Sharjah, é o mais recente dos escândalos dos últimos dias a estremecer os Emirados Árabes Unidos, a bilionária confederação de sete pequenos países, praticamente cidades-estados que formam uma meia-lua na entrada do Golfo Pérsico.

Qasimi filho morava em Londres desde sempre, onde desfrutava do estilo de vida e da liberdade impossíveis em seu país. Estudou moda e criou uma grife masculina, a Qasimi Homme.

Um de seus maiores amigos era Mariano Vivanco, um conhecido fotógrafo de moda, coincidentemente peruano como Mario Testino. “Será sempre o meu anjo”, escreveu sobre a morte do filho do emir que está sendo investigada pela polícia. Pessoas presentes já desenharam um quadro do que estava rolando.

A morte de Khalid Qasimi ja é suficientemente chocante, ainda mais considerando-se que seu irmão mais velho morreu em 1999 de overdose de heroína, mas o escândalo que está deixando os emirados em estado de choque – pela internet, claro – é o de Dubai.

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O mais conhecido dos minúsculos reinos, por sua política de atrair turistas estrangeiros, uma raridade entre os muçulmanos mais rigorosos, passa por uma crise impossível de ser abafada, embora nem uma única “fonte” ouse abrir a boca.

O segredo veio à tona na semana passada: Haya bint Husssein, princesa da Jordânia e esposa número quatro do bilionário xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum, rompeu o casamento e procurou refúgio em Londres, levando uma fortuna própria de 36 milhões de dólares e uma história nebulosa.

Agora, foi confirmado que as duas partes contrataram advogados famosíssimos em Londres para o que só poderá ser um divórcio daqueles.

PÁTRIO PODER

O uso de tribunais ingleses para dirimir disputas conjugais de árabes eminentes é comum, pois favorecem mais as mulheres. Além disso, todos têm propriedades milionárias e passam longos períodos na Inglaterra.

Mas nem uma filha de rei como Haya, cujo pai era Hussein da Jordânia e por parte dele também, irmã do atual rei Abdullah, tem cacife suficiente para enfrentar sozinha um homem com o poder de Maktoum.

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Para complicar, ela levou os dois filhos menores, Jalila, de onze anos, e Zayed, de sete. Tirar os filhos de um xeque árabe – mesmo que ele tenha entre 23 rebentos, com seis mulheres – é considerado impossível.

Pelas leis muçulmanas, os filhos sempre ficam com os pais, exceto se eles concederem o privilégio às ex-mulheres. A filha de Maktoum com uma beldade grega só foi morar na adolescência em Dubai, convertendo-se ao Islã.

Os indomáveis tabloides ingleses dizem que ela “fugiu” de Dubai, primeiro para a Alemanha, com a ajuda de um diplomata, e depois foi para Londres, onde se instalou num palacete de 90 milhões de dólares em frente ao Palácio de Kensington.

Estava correndo “risco de vida”, diz o Daily Mail, que deu o furo e atribui a ruptura a outro escândalo na família real de Dubai.

Uma das filhas do emir, Latifa, protagonizou um caso enroladíssimo: fugiu do país e foi para o iate de um ex-espião francês, esperando uma passagem para a Índia. Militares de Dubai interceptaram o iate e levaram Latifa de volta ao domínio paterno.

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Na época. Haya, que comanda obras filantrópicas como uma princesa moderna e tem, obviamente, os melhores contatos do mundo, ajudou o marido a abafar os boatos sobre a filha.

Levou a ex-presidente irlandesa Mary Robinson para uma visita a Dubai e uma foto esquisita onde Latifa aparece sem um pingo de maquiagem. Haya insinuou que a princesa infeliz era “problemática” – palavra indicadora de questões de saúde mental ou de drogas.

A versão dos tabloides é que o tratamento dispensado a Latifa piorou e por causa disso, Haya entrou em conflito com o marido a ponto de “sair fugindo” de Dubai.

Filha de rei, educada em Oxford e louca por cavalos, a baixinha e curvilínea Haya era a mulher que o pavoroso e mais velho Maktoum apresentava ao mundo.

Frequentava com ela os domínios da rainha Elizabeth e de outros membros da família real, encantados com a prodigalidade do emir e os prodigiosos animais de Godolphin, o maior haras do mundo.

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Foi através dos cavalos que conheceu a princesa jordaniana, amazona olímpica e criadora por conta própria.

O casamento foi na Jordânia, um país pobre e sem petróleo, mas com um estilo ocidentalizado de vida, pelo menos em círculos como o do meio-irmão Haya e sua mulher, a rainha Rania. Aliás, nem sequer existe o título de rainha nos outros países do Golfo.

Em Dubai, seria impossível. A esposa número um do emir é sua prima, por causa das alianças tribais, e usa o traje tradicional cobrindo o corpo e o rosto mesmo quando fica em seu palacete no interior da Inglaterra.

Haya sofreu críticas e hostilidade da numerosa família do marido. O que aconteceu de verdade ainda virá à tona durante o processo de divórcio.

Desde fevereiro, ela começou a “desaparecer” das redes sociais onde promovia as obras filantrópicas. Em maio, entrou em silêncio total. Em junho, não apareceu em Ascot, o evento mais importante da temporada de turfe, onde durante os últimos anos Maktoum, de fraque e cartola, desfiou ao lado da princesa usando roupas e chapéus de grifes famosas e de seus cavalos campeões.

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Ter um estilo de vida ocidentalizado no exterior e tradicionalíssimo em casa é comum entre emires e plebeus dos países do Golfo. O pacto muitas vezes é pago com concessões internas aos religiosos muçulmanos mais estritos.

Maktoum levou deu um passo além: trouxe o estilo ocidental – e turistas e negócios – para áreas privilegiadas de Dubai, onde é possível ir à praia de biquíni misturar homens e mulheres em ambientes de trabalho e até beber álcool nos hotéis luxuosos, à sombra do Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo.

ENCRENCA LÍBIA

Como os outros países do Golfo Pérsico, Dubai era um deserto habitado por tribos, com um pequeno porto marítimo de onde saiam os barcos para a pesca de pérolas, a atividade principal antes que os tesouros sob a areia começassem a jorrar.

Sem gente suficiente para tanto dinheiro, Dubai importou trabalhadores estrangeiros – Índia, Paquistão, Egito, entre outros.

Mas também ingleses e outros expatriados ocidentais, que ganham mais, gastam menos e vivem muito melhor em suas áreas confinadas do que em seus países.

De cada seis residentes, apenas um tem a cidadania local. É desses privilegiados o PIB per capita anual de 40 mil dólares.

Uma das maiores atrações para estrangeiros é ver a frota de carros da polícia. Lamborghinis, Ferraris e Bentleys, além de um McLaren e um Bugatti – marcas habitualmente só vislumbradas em grande quantidade nos arredores de Kensington – deixam os turistas de queixo caído.

Os sete emirados, dos quais Abu Dabi é o maior, agem em conjunto em várias áreas, principalmente em política externa. Tradução: todos vivem em pânico com a ascensão do radicalismo militante muçulmano e se escudam no grande irmão local, a Arábia Saudita, e distante, os Estados Unidos.

Atualmente, estão encrencados com uma carga de armas pesadas vendidas pelos Estados Unidos e, curiosamente, encontradas em poder de rebeldes líbios.

A essa altura, ninguém mais sabe quem é quem na encrenca infinita da Líbia. O principal foco rebelde é liderado por um general chamado Khalifa Hifter, ex-kadafista que se asilou nos Estados Unidos e tem cidadania americana.

Tão mau quanto todos os outros, tem a única e discutível vantagem de ser contra a facção islamista no poder no outro lado.

Em termos de política interna americana, o interesse da oposição democrata é tumultuar a aliança com os países do Golfo e o armamento antitanque, vendido para os Emirados, que “misteriosamente” apareceu na Líbia é um pretexto a mais para constranger Donald Trump.

O contrabando de armas, inevitavelmente negado pelos Emirados, acrescentou uma dimensão política aos escândalos da triste morte do príncipe gay e da princesa que fugiu do marido.

É, claro, a parte mais sem graça, mais também a que mais conta. Manter a aliança com os países do Golfo e os homens que se fazem de santos em casa e caem na esbórnia fora dela, ou por trás dos muros de seus palácios de mármore e ouro novinhos em filha, faz parte dos interesses vitais não só dos Estados Unidos como do resto do mundo que depende do petróleo.

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