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É irreal esperar que a ONU resolva conflitos como o de Israel em Gaza

Organização não tem poderes supranacionais e só excepcionalmente cria forças de paz, que precisam da concordância dos mais poderosos

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 10 Maio 2024, 08h19 - Publicado em 27 out 2023, 08h27

Adivinhem o que aconteceria se os Estados Unidos não tivessem poder de veto, usado 34 vezes para impedir resoluções condenando Israel.

Só de países muçulmanos, que naturalmente tendem a antipatizar com Israel, são 49. Qual seria a situação do estado judaico?

Toda vez que acontece um conflito grave, muitas pessoas, angustiadas, perguntam por que “o mundo” não resolve isso. Por mundo, em geral, querem dizer a ONU. Isso é superdimensionar o papel da organização, criada na realidade do pós-guerra: os vencedores eram cinco e todos seriam os primeiros a ter armas nucleares. De certa maneira, cancelavam-se mutuamente. A prerrogativa de veto dado a Estados Unidos, União Soviética (hoje Federação Russa), China, França e Inglaterra garantia que nenhum deles teria um poder desequilibrador na organização.

Garantia também, e continua garantindo, um impasse quando as grandes potências não concordam. Quando concordam, em situações bem específicas, geralmente envolvendo eleições que mudam o status quo político, os “capacetes azuis” podem funcionar, como no Camboja e no Timor Leste. A situação foi mais bem complicada com a força de paz criada em 1978 para supervisionar a saída de Israel de território libanês. Praticamente tudo o que há de ruim no mundo aconteceu no Líbano desde então, com uma guerra civil em várias etapas, ocupação síria, intervenção terceirizada de outros atores políticos e novas invasões israelenses.

Enquanto tudo isso se desenrolava, o Irã formatou a criação de uma milícia que hoje domina o país, o Hezbollah. Não é impossível que a situação atual fique ainda muito mais crítica se o Hezbollah resolver baixar os canhões e interferir em grande escala, contando que Israel já está numa situação arriscada em Gaza. Se o Irã incentivar a abertura de novas frentes, pode arrastar os Estados Unidos para tudo aquilo que não querem, um novo conflito no Oriente Médio.

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O que a ONU fará? Provavelmente manterá o impasse: é interessante para China e Rússia que os Estados Unidos se desgastem, se possível ao ponto de ruptura. Vladimir Putin brinca de Maquiavel cínico ao abrir as portas do Kremlin para o Hamas, outra vergonha para a Rússia. Quanto pior a situação no Oriente Médio, melhor para os russos na guerra da Ucrânia.

No limite, poderiam os americanos sacrificar Israel em nome de seus próprios interesses? É a maior dúvida existencial que pode existir em Israel.

Muitas vezes, representantes diplomáticos israelenses se exasperam com a “obsessão” de tantos membros da ONU com o país – enquanto se desenrolam matanças muito maiores, de muçulmanos contra muçulmanos, como a que aconteceu na Síria.

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O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, chegou a mostrar um vídeo, transmitido por um tablet, com cenas horripilantes em que um trabalhador agrícola tailandês, já gravemente ferido, é decapitado com uma enxada numa das localidades atacadas em 7 de outubro. A ideia era denunciar a reunião da Assembleia Geral de hoje que, num dos momentos mais desonrosos da ONU, não menciona os ataques de 7 de outubro que mataram 1 400 pessoas.

Foi Erdan que reagiu visceralmente quando o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, disse que “os ataques do Hamas não aconteceram do nada”.

“O povo palestino tem sido submetido a 56 anos de ocupação sufocante”, disse o ex-primeiro-ministro, de uma maneira evidentemente aberta à interpretação de que a violência inominável seria justificada.

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Erdan pediu que ele renunciasse imediatamente por “mostrar compreensão pela campanha de assassinato em massa de crianças, mulheres e idosos”.

Guterres negou tudo e não tem a menor intenção de pedir demissão. Numa reação emocional, Israel chegou a proibir vistos de entrada para funcionários da ONU.

Os ânimos ficam exaltados, os projetos de diferentes blocos são respectivamente vetados, todo mundo fala – com razão – que as instituições da ONU estão superadas por novas realidades. Mas se estas novas realidades se impusessem, Israel já estaria fora da ONU. É nesse momento em que o poder das maiorias é ameaçador.

Sonhar com uma força de paz que se interpusesse entre os terroristas e suas vítimas, que interrompesse os ataques israelenses contra garantias férreas de que o Hamas não estaria mais no poder, salvasse vidas dos dois lados e armasse numa solução que resolvesse as causas profundas da crise, infelizmente, no momento, é apenas um sonho. E não é da ONU que virá sua realização.

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