Dilema: se atacar Rafah, Israel se isola; se não atacar, Hamas se recupera
O nível de vítimas entre a população civil se torna intolerável para aliados, mas israelenses ainda estão unidos sobre necessidade do ataque final

Pode Benjamin Netanyahu ir diretamente contra Joe Biden e liberar o ataque ao último reduto do Hamas, em Gaza?
A questão, obviamente, é gigantesca. Remover 1,5 milhão de refugiados que se concentram na cidade do sul em condições minimamente aceitáveis é quase impossível – ou no mínimo levaria um tempo enorme. As condições de sobrevivência são extremas e até os países que torcem, aberta ou secretamente, para que Israel desconstrua o Hamas não aceitam o potencial de um número grande de novas vítimas entre a população civil.
Joe Biden já disse que seria “um erro” atacar o Hamas em Rafah e Chuck Schumer, o senador democrata com grande influência na política externa, pediu nada menos do que a cabeça de Netanyahu, chocando não apenas israelenses, mas judeus, como ele, em todo mundo.
Schumer joga para a plateia: é informadíssimo sobre o assunto e sabe que a liderança israelense, inclusive os representantes da oposição ao primeiro-ministro, está fechada na necessidade de não permitir que o Hamas se reconstitua e volte a ameaçar as regiões fronteiriças de Gaza com Israel. Segundo o cálculo de um ex-dirigente do Shin Bet, a agência nacional de segurança, a organização terrorista ainda tem 10 mil homens armados. Não seria nada difícil recrutar novos braços, considerando-se o nível de destruição e desespero no território.
Também sabe que a maioria da opinião pública israelense acha que o resto do mundo esqueceu as atrocidades sofridas no ataque de 7 de outubro e considera vital não deixar o Hamas sair dos túneis cantando vitória.
DIVISÕES INTERNAS
O único ponto em que há mais divisões é, previsivelmente, a questão dos reféns. Familiares criaram um movimento importante para reivindicar um acordo – qualquer acordo – que traga as vítimas de volta. Inevitavelmente, culpam o governo por não fazer isso – e a cada ataque a Netanyahu, o custo da libertação dos reféns sobre. Embora haja exceções, como o pai de Liri Elbag, a mais jovem das catorze mulheres que continuam presas nos túneis de Gaza. “Netanyahu está empenhado, estão todos empenhados”, disse Eli Elbag.
A exceção são os integrantes de extrema direita do governo, como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich. Recentemente, ele disse que “recuperar os reféns não é o objetivo mais importante da guerra”.
Por mais terrível que seja para um pai como Elbag ouvir isso – imaginem saber que sua filha de 19 anos está no cativeiro há mais de cinco meses, sofrendo todo tipo de abusos -, o fato é que os reféns não podem ser a única prioridade.
Eles são também a mais importante vantagem política e militar do Hamas – a segunda, em importância, é o próprio sofrimento da população de Gaza. Quanto mais sofrem, mais Israel é pressionado, e isso coincide com os objetivos do Hamas de obter a suspensão das ações militares.
É difícil imaginar uma situação em que todos sejam liberados, via negociação ou pela força. Quanto mais divisões internas o drama provocar, melhor para o Hamas.
ALIANÇA TEMPORÁRIA
A situação humanitária da população de Gaza também está produzindo divisões. Segundo o bem informado analista militar do Jerusalem Post, Yonah Jeremy Bob, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, mudou de posição e agora favorece, contra a opinião de Netanyahu, que a Autoridade Palestina forme uma força policial de cerca de sete mil integrantes e assuma o básico da segurança pública e da caótica distribuição de alimentos em Gaza.
Benny Gantz, o líder da oposicionista União Nacional, que integra o governo de emergência e aparece nas pesquisas como o mais provável substituto de Netanyahu, também favorece esta opção.
Uma alternativa cogitada seria formar uma aliança temporária com os clãs de Gaza, organizações parecidas com tribos e de bastante importância no território. “Parte do problema é que chefes dos clãs foram assassinados pelo Hamas”, anotou o analista.
A hipótese de um governo com pessoas locais e participação de países árabes aliados voltou a circular, com uma reportagem do Wall Street Journal a respeito. Que países árabes garantiriam a segurança em Gaza, sabendo que qualquer soldado estrangeiro se transformaria imediatamente em alvo do Hamas?
Entre os palestinos também grassam as inimizades. O Hamas poderia simplesmente condenar, da mesma maneira que fez com os clãs, uma intervenção dos “irmãos” da Cisjordânia em Gaza. A rivalidade com o Fatah, o movimento armado criado por Yasser Arafat, que sustenta a Autoridade Palestina, não foi absolutamente esquecida. Em 2006, o Hamas massacrou, literalmente, o Fatah em Gaza, numa violenta miniguerra civil.
“ALGUM TEMPO”
Agora, criticou cruamente a escolha de um novo primeiro-ministro da AP, Mohammad Mustafa. O Fatah respondeu que o Hamas “embarcou numa aventura” em 7 de outubro que teve resultados piores do que a nabka, como chamam a derrota sofrida pelos árabes para Israel logo no nascimento do país, em 1948.
Tentando resumir questões de alta complexidade: Israel não pode atacar Rafah e, ao mesmo tempo, não pode não atacar. Falta um plano para estabilizar Gaza minimamente e acudir a emergência humanitária. Judeus e palestinos têm profundas divisões internas. Israel não pode perder o apoio dos Estados Unidos e, num sinal disso, Netanyahu disse ontem que a ofensiva final vai “levar algum tempo”. Israel também não pode assumir a administração direta do território e não tem quem colocar para fazer isso.
Não existe resultado inconclusivo: mesmo com as grandes perdas já infligidas ao Hamas, interromper a guerra seria dar um trunfo ao Hamas. Não interrompê-la pode destroçar Israel.
Quanto pior for o quadro geral, melhor para o Hamas.