Os grandes movimentos demográficos pareciam fenômenos geológicos transpostos para a humanidade, com projeções que demoravam séculos para acontecer. Agora, acelerou tudo. O Brasil, por exemplo, tem “menos” 5 milhões de pessoas do que o projetado uma década atrás. O fenômeno é mais acelerado na China, onde em um único ano, de 2021 para 2022, a população diminuiu em 850 000 pessoas. No todo, o gigante deve encolher para 1 bilhão de habitantes em 2080 e 800 milhões em 2100 — mas pode ser que aconteça antes e não existe política de incentivo de governos que convença mulheres a terem mais filhos quando elas não querem. As consequências, obviamente, são nada menos do que tectônicas, com menos gente para trabalhar e manter a pujança econômica. A superpotência tem plano de longo prazo de transitar para a fabricação de produtos de alta tecnologia, com muito valor agregado e componentes sugados de qualquer país fornecedor que se deixe gozosamente explorar.
Muito antes disso, há fenômenos espantosos, incluindo a possibilidade de que a China do desenvolvimento permanentemente turbinado esteja entrando em recessão. Em junho, as exportações chinesas caíram 12,4% (as importações diminuíram a metade disso). Uma parte dessa queda deriva da política americana de substituição das importações chinesas, outro movimento da categoria tectônica. Tendo reclamando durante gerações que estavam muito longe de Deus e muito perto dos EUA — não sem razão, considerando-se que perderam 55% de seu território para os vizinhos na guerra de 1848, incluindo o que hoje são estados como Califórnia, Nevada, Utah, Novo México, Arizona e Colorado —, os mexicanos agora têm de agradecer aos céus por essa proximidade. Na política de substituição de importações de um fornecedor distante, hostil e não confiável como a China, os EUA acabaram de passar o troféu de maior exportador para o vizinho do sul. A proximidade geográfica facilita a logística, permitindo que produtos como carros sejam montados numa primeira fase em fábricas americanas, enviados ao México para a finalização e mandados prontos para os EUA. Será por isso que o presidente Andrés Manuel López Obrador não faz desaforos gratuitos ao país? Ou ele pode falar besteiras porque tem uma posição única no relacionamento com o vizinho do Norte, não reproduzível por papagaios do chavismo?
Ter um mundo com menos gente é bom ou ruim? Os ambientalistas devem optar pela primeira hipótese, nos intervalos dos momentos em que se dedicam a apontar fenômenos meteorológicos provocados por fatores como o El Niño ou produto de catastróficas mudanças climáticas que vão nos levar à destruição se não pararmos imediatamente de consumir combustíveis fósseis e carne de vaca ou mesmo de frango, essa criação humana que hoje ocupa o planeta com espantosos 33 bilhões de espécimes.
Um mundo com 33 bilhões de frangos faz qualquer um parar para pensar: melhoramos e hoje alimentamos, com proteína boa, uma quantidade de pessoas sem precedentes na história? Ou vamos para o inferno, numa fornalha de calor dantesco, comendo frango à passarinho bem tostado? E com nossos cavalinhos atrelados a uma superpotência que ainda nem virou dominante e já está perdendo gente e fôlego econômico?
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2023, edição nº 2851