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Diamantes da discórdia: Índia quer de volta pedra da coroa da rainha

Tesouros que remetem à era colonial são contestados e podem levar Camilla a não usar a joia das rainhas consortes quando o marido for coroado

Por Vilma Gryzinski 14 out 2022, 06h58

E se o Brasil pedisse de volta as pepitas de ouro, os diamantes e as joias da família real portuguesa? Seria uma picuinha – e possivelmente perigosa, considerando-se como tratamos nossos museus. 

Quem quiser vê-los, pode ir a Lisboa, onde estão expostos no novo Museu do Tesouro Real. Entre as preciosidades, está o Diamante de Bragança, uma prodigiosa pedra bruta de 1 680 quilates.

A monarquia portuguesa acabou em 1910, com a deposição de Manuel II, adequadamente chamado de “Desaventurado”, que só havia ascendido ao trono por causa do assassinato do pai e do irmão mais velho.

Se tivesse continuado, talvez a reivindicação das joias brasileiras fosse maior, como está acontecendo agora com a Índia, que quer de volta o “diamante mais famoso do mundo”, o Kohinoor, ou montanha de luz, com 106 quilates depois da lapidação.

Antes da descoberta das jazidas de Minas Gerais, a Índia era o único lugar do mundo onde se extraíam diamantes.

Mas Índia, hoje, significa uma unidade político-geográfica diferente da existente em 1851, quando o Kohinoor ainda não lapidado foi dado de presente à rainha Vitória pelo último marajá do império sikh – a religião que teve seu próprio território -, Duleep Singh, de apenas onze anos.

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Obviamente, o império britânico estava no ápice e fazia alianças locais para consolidar um poder tão grande que se tornou a própria essência da palavra imperialismo.

Mas o diamante foi dado, não tomado à força. E nem agradou tanto. O príncipe Albert, marido de Vitória, não gostou da lapidação, e a rainha usou pouco a pedra, engastada num broche. Supostamente, não gostava da lenda de que o diamante era amaldiçoado e só podia ser usado “por um deus ou uma mulher”.

O fato de que ela preenchia o último requisito não parece ter feito grande diferença. Outras gerações deixaram-se seduzir pela pedra. Mas ninguém lhe deu tanto destaque quanto a rainha consorte Elizabeth, mãe da monarca que morreu no último 8 de setembro.

A Elizabeth original era de uma família antiga de nobres, mas sem grandes recursos. Subiu de patamar quando encantou o segundo filho do rei George V. Foi um raro casamento por amor no círculo das famílias reais. E mudou radicalmente sua vida quando o irmão mais velho do marido, Edward VIII, abdicou para poder se casar com a americana Wallis Simpson, no maior escândalo da monarquia britânica dos últimos séculos.

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De repente, ela se viu transformada em rainha consorte e no lugar certo para colocar em prática seu gosto por luxo, joias e tradições históricas.

Para a coroação, tanto o rei quanto a nova rainha consorte mandaram fazer coroas novas. A dele é a peça espetacular que foi vista sobre o caixão de sua filha e herdeira. A dela usou como elemento principal o Kohinoor, engastado na cruz central, acima de outra pedra espetacular, também dada a Vitória pelo sultão Abdul Medjid, em agradecimento pelo apoio ao império otomano durante a Guerra da Crimeia – a original, de 19853 a 1856.

É essa coroa que Camilla, a mulher do novo rei Charles, deveria usar na cerimônia de coroação, que já está marcada para 6 de maio do ano que vem.

O palácio informou que a cerimônia será mais curta e menos pomposa do que na última coroação, a de Elizabeth II, em 1953. Mas Charles vai manter a tradição de usar coroa, o que os reis europeus não fazem mais. Camilla também – mas não é impossível que seja uma joia diferente ou que o diamante da discórdia seja substituído por outra pedra na coroa original da rainha mãe.

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“Todas as pessoas da Índia ouviram falar desse diamante e o querem de volta. Ele tem uma enorme importância não só para a a Índia, como também no Paquistão, Bangladesh, Irã e Afeganistão”, disse ao Washington Post o autor de um livro sobre o Kohinoor, William Dalrymple. 

A pedra tem registros históricos há pelo menos 500 anos. Chegou a ser incrustada no Trono do Pavão, em formato de palanquim, com colunas e cobertura, usado por Shah Jahan, o famoso construtor do Taj Mahal. Um conquistador persa apossou-se dele no século XVII, com trono e tudo.

Os países mencionados por Dalrymple dão uma ideia do tamanho do problema. Na hipótese, remota, de que fosse devolvido, qual país teria direito a ele?

Depois da morte de Elizabeth II, virou modinha da esquerda ressuscitar os males do imperialismo britânico até em países que pouco tiveram nada a ver como ele, como o Brasil – ou o que tiveram é positivo, como o combate ao tráfico de escravos.

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Alguns políticos sul-africanos de esquerda também estão pedindo a devolução de “seus” diamantes, as pedras tiradas do Cullinan, encontrado no que era então o Transvaal, território colonizado pelos britânicos.

O Cullinan, uma pedra branca de 3 107 quilates, até hoje a maior do mundo, foi presenteado pelo dono da mina com seu nome ao rei Edward VII em 1907. Joseph Ascher, o lapidador de Amsterdã encarregado de tirar o melhor do diamante gigantesco, estudou-o durante um ano até ter coragem de bater o pequeno martelo usado em sua profissão. Na primeira batida, a pedra resistiu. Na segunda, partiu-se conforme o planejado e o lapidador desmaiou de nervoso.

Dela saíram nove grandes diamantes e 96 menores – relativamente, claro. O Cullinan I está no cetro real que também foi visto sobre o caixão da rainha Elizabeth II. O segundo, na coroa do avô de Charles. O novo rei vai usar ambos na cerimônia de coroação.

A discussão sobre tesouros coloniais envolve obras da Antiguidade como os mármores do Parthenon, a maior atração do British Museum. Na época do domínio do império otomano, o templo grego estava totalmente negligenciado, com casas chegando a encostar nas legendárias colunas e construídas sobre blocos de mármore tirados dele. O conde de Elgin, embaixador britânico na Turquia, comprou as esculturas remanescentes, levando-as de navio para a Inglaterra.

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É claro que a Grécia quer a devolução das esculturas de sublime beleza. Parece quase inevitável que isso venha a acontecer. Diretores do British têm feito declarações a favor disso. As joias da Coroa seguirão o mesmo destino? Kate, a nova princesa de Gales, nunca usará a coroa com o Kohinoor quando for rainha? E a monarquia sobreviverá até lá?

A nova temporada série The Crown estreia em novembro, justamente com a parte mais picante, a do desastroso casamento de Charles e Diana. Todo mundo sabe como acaba. 

A novela da vida real em torno dos maiores diamantes do mundo ainda tem um final indeterminado, o que deixa a história mais interessante ainda.

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