Democratas estão pedindo: Joe, pegue seu banquinho e saia de mansinho
Era um tema tabu, mas já começa a baixar o pânico, propulsionando apelos para que o presidente desista da reeleição por motivo de idade

Nem o início dos procedimentos de impeachment, nem os rabos presos do filho Hunter: o maior problema de Joe Biden são os 80 anos e os sinais de deterioração cognitiva. Falas atrapalhadas, piadas inconvenientes, confusão espacial, intervenções cada vez mais difíceis de disfarçar da equipe alimentam pesquisas como a que diz que 77% dos americanos acham que o presidente está velho demais.
Em público, os democratas conservam as aparências. Mas em particular, esse é o assunto dominante. Todo mundo está falando nisso, disse o apresentador de um dos programas políticos mais assistidos da televisão a cabo, Joe Scarborough. “Está em todas as conversas, e com isso não quero dizer 99% delas. Quero dizer todas”, resumiu ele, comentando uma entrevista de outro nome conhecido, David Ignatius, colunista do Washington Post.
Ignatius é até agora o jornalista mais importante a pedir a renúncia de Biden às aspirações presidenciais e causou uma espécie de choque silêncio com o título bem objetivo de sua coluna mais comentada: “Joe Biden não deveria disputar a reeleição em 2024”.
Antes dele, outro colunista de muita repercussão, Andrew Sullivan, havia feito o mesmo apelo. Detalhe: ambos abominam Donald Trump e são defensores do governo Biden. Justamente por isso, refletem o pânico de que talvez o ex-presidente esteja avançando para uma vitória no ano que vem, favorecido pelo receio de muitos americanos de que Biden simplesmente não tenha condições de continuar a ser presidente até os 86 anos, como aconteceria se ganhasse um segundo mandato.
“Votei em Joe Biden em 2020 e votaria de novo se fosse para impedir que um monstro como Trump ganhe”, escreveu Sullivan, perdendo um pouco a classe de suas colunas.
“A cada vez que o ouvimos falar, ele parece um pouco fora de sintonia, os olhos mal visíveis no rosto arcaico cheio de botox e preenchimentos, fala arrastada, um tufo de cabelo branco esticado acima do colarinho.”
“Biden poderia dizer, com convicção: eu fiz a minha parte, eu nos salvei de Trump. Reconstruí a economia, fiz o que Trump não conseguiu fazer em matéria de infraestrutura, clima e comércio. Trouxe a indústria manufatureira de volta para os Estados Unidos. Ressuscitei a Otan. Garanti a superioridade tecnológica dos Estados Unidos. Agora está na hora de passar este legado para alguém mais jovem.”
Quem? O problema, para esses comentaristas que começam a despontar pedindo a saída honrosa de Biden, é que não têm um nome pronto, embora haja uma coleção de aspirantes. Caberia ao partido, através das primárias, escolher o mais votado – mas as prévias estão praticamente fechadas, em matéria do que mais importa, as montanhas de dinheiro que movem as campanhas. Em 15 de janeiro próximo, o Estado de Iowa já vai votar no candidato republicano preferido. Dificilmente haveria tempo para um nome mais sólido, como o governador da Califórnia, Gavin Newson, entrasse na corrida.
Os concorrentes assumidos de Biden são candidatos de nicho, com menos de 10% das preferências: Robert Kennedy Júnior, conhecido principalmente pelas teorias conspiratórias sobre vacinas em geral, e a escritora de autoajuda Marianne Williamson.
A pesquisa que mais impactou os simpatizantes democratas, inclusive na imprensa, foi a do Wall Street Journal, dando um exato empate de 46% a 46% para Biden e Trump. A média das pesquisas feita pelo site RealClear dá um resultado parecido: Trump com 44,8% e Biden com 44,4%. Biden também é prejudicado por uma candidatura independente, como a do professor marxista Cornell West, pelo Partido Verde, que tira votos de esquerda cruciais para a reeleição.
Ao defender a desistência do presidente, David Ignatius anota que “ele nunca foi bom em dizer não”.
“Deveria ter resistido à escolha de Kamala Harris. Deveria ter impedido a visita da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, a Taiwan, que causou sérios prejuízos à segurança da ilha. Deveria ter impedido seu filho Hunter de entrar para o conselho de uma empresa ucraniana de gás e demrepresentar companhias chinesas – e certamente deveria ter resistido às tentativas de Hunter de impressionar clientes colocando o papai no telefone”.
Qual a possibilidade de que Biden resista ao mais primal impulso de todos os políticos, conservar o poder?
São poucas.
E existem ainda as incógnitas cercando Trump e seus múltiplos processos na justiça. Até agora, pelo menos entre o eleitorado republicano, ele tem conseguido usá-los a seu favor, num verdadeiro “judô eleitoral”, segundo a definição de Andrew Sullivan, usando a força do adversário para se beneficiar.
Um candidato acossado pela justiça, outro que terá a vida, dele e do filho, vasculhada pelos procedimentos que antecedem um impeachment. Dois homens de idade avançada que não largam o osso de jeito nenhum. O momento político nos Estados Unidos não está muito inspirador.
E o pessoal fala – no mundo político, todos falam.