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Dá para acreditar que este homem de calças curtas é senador americano?

John Fetterman só usa bermudão com moletom, numa imagem horrível, mas a pergunta que abre válida: até quando durarão terno e gravata?

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 Maio 2024, 20h58 - Publicado em 25 set 2023, 08h00

Como um gigante infantilizado, com seus 2,3 metros de altura, o senador americano John Fetterman conseguiu impor um estilo: bermuda com camiseta ou moletom de capuz, trajes com que se apresenta na augusta tribuna, apoiado pelo levantamento de uma regra informal do Senado americano que estabelecia o terno com gravata como traje oficial.

A visão foi tão horrível, embora Fetterman possa alegar problemas de saúde como sequelas graves de AVC e depressão profunda, que um senador democrata como ele, John Manchin, pretende apresentar uma moção exigindo a vestimenta tradicional. Se todos os 49 republicanos e apenas mais um democrata apoiarem, estará restaurada o que os rebeldes chamam de ditadura do terno e gravata.

Embora os protestos venham, em geral, da esquerda, que na época de Mao uniformizou a China, o traje formal é mesmo uma ditadura — e de imposição relativamente recente: ao longo da história humana, são muito mais frequentes os períodos em que os homens usavam roupas muito mais elaboradas. Sem falar em joias, para os que podiam.

Políticos de esquerda como o presidente chileno Gabriel Boric e o primeiro-ministro espanhol Pedro Suárez já eliminaram a gravata no dia a dia. Boric foi recepcionar o rei da Espanha, Felipe VI, considerado um dos homens mais elegantes do mundo, sem gravata. Os adversários políticos espernearam. Inventaram até que Boric tinha sido impedido de participar do almoço de posse do novo presidente do Paraguai, Santiago Peña, por não estar usando o acessório. Não é verdade.

“A essa altura, já virou uma espécie de símbolo”, diz o presidente de extrema esquerda, de 37 anos, mais acostumado ao movimento estudantil. “Fui submetido até à comissão de ética do Congresso”.

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Boric não tem o porte do bonitão Pedro Suárez, que ficaria bem usando qualquer coisa. Pelo lado positivo, não apelou ao folclore latino-americano e nem saiu vestido de indígena — uma opção que combina apenas com quem vem mesmo dos povos nativos, como Evo Morales. O presidente boliviano, Luis Arce, atualmente em brutal guerra interna com o ex-aliado Morales, também não usa gravata.

A onda do bolivarianismo trouxe com ela os trajes nativos, como desafio ao imperialismo do terno e gravata. Não inovou: Fidel Castro não tirava o uniforme militar, mas disseminou entre aliados o uso da guayabera. A camisa branca de linho ou algodão, com bolsos (originalmente, para o tabaco) segue o mesmo padrão que todas as outras roupas: fica bem em homens com porte e pode massacrar o silhueta dos menos dotados.

Gabriel García Márquez, foi ao centro universal do traje caribenho, a alfaiataria Guayaberas Cab, no México, para encomendar uma variante que usaria para receber o Prêmio Nobel de Literatura de 1982. O fabuloso escritor se recusou a usar o fraque, estabelecido pelo protocolo, e preferiu um liquiliqui, o traje dos camponeses colombianos: camisa com colarinho Mao e calça reta, tudo branco. Diz o diálogo reconstituído entre ele e o alfaiate Pedro Cab:

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“-Senhor Cab, vim ver se o senhor me faria uma guayabera modificada.

– Faço sim, dom Gabriel. Como chegou até aqui?

– Um bom amigo meu me mandou.

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– Quem é?

– Fidel Castro.”

Aos gênios, perdoamos tudo. García Márquez ficou realmente melhor com o traje branco (só não usou a alpargata que o completa tradicionalmente). Da mesma forma que seu antagonista, Mario Vargas Llosa, parecia ter nascido usando fraque quando foi receber seu Nobel.

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A roupa que mais identifica um líder de governo no momento é a usada por Volodymyr Zelensky. Desde que a Ucrânia foi invadida pela Rússia. Zelensky e assessores mais próximos apareceram no famoso vídeo filmado logo em seguida à invasão, quando poderiam ser mortos a qualquer momento, em trajes vagamente militares: tudo verde oliva, calças cargo e tênis. Passaram assim uma mensagem de resistência.

Foi tão marcante que Zelensky não usa outra coisa. Seja na ONU, seja no Congresso americano, vai de verde oliva. Usar um uniforme de verdade seria falso e passaria a mensagem errada, a de que é um comandante militar, não um ator comunicando que entende o valor que as roupas podem transmitir.

O dia em que Zelensky voltar ao terno e gravata será auspicioso para a humanidade, pois significará que a guerra acabou e não com a derrota da Ucrânia.

Fetterman, que apoia a ajuda americana à Ucrânia, poderá ir à festa até de sunga, se quiser. Ou de guayabera.

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