Bilionário, libertário e odiado: o homem que dobrou aposta em Trump
Com dinheiro e inteligência de sobra, Peter Tiel é praticamente o único gênio do mundo high tech a apoiar republicano

Ele quer ter vida eterna, ir para outros planetas, tirar os jovens da faculdade e criar monopólios, a única maneira de ser bem sucedido nos negócios. Já deu para perceber que Peter Thiel é um típico gênio da era digital, cheio de ideias revolucionárias, nascidas de um QI tão impressionante quanto sua fortuna.
Mas nada o torna tão exótico quanto o apoio em Donald Trump. Thiel foi uma rara celebridade a discursar na convenção do Partido Republicano, quando Trump já era difícil de engolir por conservadores de variadas tendências.
Agora que se tornou radioativo e, tirando o povão mais fiel, praticamente todo mundo está saltando fora, Thiel dobrou a aposta: vai doar 1,25 milhão de dólares à quase terminal campanha de Trump.
Seria um engano concluir que o investidor milionário vê nisso uma oportunidade de monopolizar um negócio arriscado. O monopólio que Thiel defende no livro De Zero a Um: O Que Aprender sobre Empreendedorismo com o Vale do Silício é o nascido do conceito de fazer alguma coisa que nunca foi feita antes. Mais ou menos como ele fez, quando foi um dos criadores do PayPal, o sistema de pagamentos online, e investiu no Facebook.
Peter Thiel é um libertário conservador tão comprometido com a versão mais extrema dessa corrente de pensamento que pensou em criar ilhas artificiais que flutuariam em águas internacionais, fora do alcance de qualquer tipo de governo.
Dono de um enorme hedge fund, o lugar onde os muito ricos hospedam seu dinheiro para vê-lo procriar, Thiel cria companhias com nome tirados da série O Senhor dos Anéis. A Mithril Capital Management faz referência à malha de levíssimo e prodigioso metal que protege Frodo, o personagem principal da saga.
A Palantir Technologies, inspirada na bola de cristal negro da mesma série, começou fornecendo análises de big data para serviços de inteligência dos Estados Unidos. A Thiel Fellowship, como a Sociedade do Anel, é a uma bolsa dedicada a dar 100 mil dólares a estudantes universitários para largarem a faculdade por dois anos, dedicando-se a pesquisas, criação de startups ou participação em movimentos sociais. Filantropos convencionais evidentemente se horrorizam com a proposta do fã apaixonado de J.R.R. Tolkien.
Em linguagem simplificada, especialmente para quem estudou filosofia e direito, entre outras coisas, em Stanford, Tiel falou sobre as mudanças, para pior, que aconteceram nos Estados Unidos desde que ele chegou ao país com apenas um ano de idade, vindo de Frankfurte, com os pais.
“Em 1968, a capital tecnológica do mundo não era apenas uma cidade: a América inteira era high tech”, disse ele, lembrando do programa Apolo que levou Neil Armstrong à lua e dos investimentos da indústria militar. O vale do silício manteve esta tradição, mas Thiel vê decadência em tudo mais.
“Hoje, nosso governo está falido. Nossas bases nucleares ainda usam disquetes. Nossos caças mais modernos não podem voar na chuva. E seria até positivo dizer que os programas de computador do governo funcionam mal, pois na maior parte do tempo sequer funcionam. Em vez de ir para Marte, invadimos o Oriente Médio.”
O discurso, claro, foi aplaudidíssimo. Especialmente quando ele disse que tinha orgulho de ser gay, republicano e americano.
Além de odiar Thiel por incapacidade de aceitar a maior das obviedades – como humanos, homossexuais podem ser de todas as correntes políticas -, os democratas mais convencionais também passaram a execrá-lo por ter financiado um processo famoso contra o Gawker, um site de fofocas que fez muito sucesso com a ideia de escrever tudo, até o inaceitável.
Em 2007, quando ainda era um blog voltado para o mundo high tech, o Gawker divulgou um artigo com o seguinte título: “Peter Thiel é totalmente gay, pessoal”. Thiel não estava escondendo nada – como teria todo direito de fazer -, mas contou depois que amigos dele expostos da mesma forma tiveram suas vidas destruídas.
Em segredo, Thiel bancou o processo de um personagem bizarro, Hulk Hogan, que saiu do mundo da luta livre, contra o Gawker, pela divulgação daquilo que os mais discretos chamam de vídeo erótico. Terry Gene Bollea, seu nome verdadeiro, ganhou 140 milhões de dólares de indenização, o que inviabilizou o site, comprado pela Univision.
Thiel disse que bancou o caríssimo processo porque o Gawker se especializou em atrair atenção ao expor pessoas com informações que não tinham nada a ver com o interesse público. Como todo libertário, ele defende apaixonadamente a liberdade de expressão e dá dinheiro a instituições de proteção a jornalistas. Com a ressalva óbvia: “Eu meu recuso a acreditar que jornalismo signifique violação em massa de privacidade”.
Durante o julgamento do processo aberto por Hulk Hogan, um ex-diretor de redação do Gawker disse, em tom de provocação que nunca cai bem diante de juízes, que hipoteticamente só consideraria não divulgar um video de sexo envolvendo uma celebridade menor de idade. Que idade especificamente? “Quatro anos”, respondeu.
Nada provoca tanta rejeição a Thiel quanto seu apoio a Donald Trump, ainda mais agora que o candidato entrou numa espiral tenebrosa. O bilionário do vale do silício fundou a Palantir com a ideia de prevenir ataques terroristas usando o mesmo sistema de reconhecimento de fraudes do PayPal. Será que, em sua genialidade, não identifica as fraudes de Trump? Ou tem uma bola de cristal que o faz temer mais ainda uma futura presidência de Hillary Clinton?