As incríveis histórias americanas das mulheres nomeadas para o governo Trump
Uma bilionária e uma governadora descendente de indianos que parecem personagens de filmes terão a chance de cair na real


Entre a morena e e loira: as trajetórias tão diferentes e tão americanas de Nikki Haley e Betsy DeVos
Uma bilionária com uma história familiar fascinantemente complicada e uma governadora sulista nascida na religião sikh, uma minoria indiana, vão enfrentar alguns dos maiores abacaxis do futuro governo Trump.
Betsy DeVos, loira descendente de holandeses, foi nomeada secretária da Educação. É um ministério menor na estrutura de poder e do qual pouco se ouve falar, mas como se trata do governo Trump, terá confrontos garantidos com os sindicatos de professores, majoritariamente democratas.
Rica por parte de pai, que fez fortuna com autopeças na época áurea da indústria automobilística no estado de Michigan, e de marido, herdeiro do império Amway, Betsy é defensora de um sistema de vale-educação. Famílias pobres recebem vouchers para colocar seus filhos em escolas mais conceituadas. É anátema para os sindicatos.
Ela também é irmã de Erik Prince, ex-dono da Blackwater, uma espécie de estrutura militar paralela que se expandiu enormemente durante a invasão e ocupação do Iraque. Dois dos casos mais explosivos desse período aconteceram com ex-militares a serviço da Blackwater.
Em 2004, quatro desses contratados foram mortos em Fallujah. Seus corpos foram queimados, arrastados e pendurados numa ponte sobre o rio Eufrates. As imagens de um horror indelével também insuflaram a primeira grande operação americana de contra-insurgência na cidade.
Em 2007, outros quatro funcionários da Blackwater abriram fogo pesado contra civis numa praça de Bagdá, matando 14 pessoas. Foram condenados a penas pesadas nos Estados Unidos. Voltaremos a Erik Prince e sua irmã mais adiante.
Nikki Haley, a futura embaixadora na ONU, nasceu Nimrata Randhawa e chegou a governadora da Carolina do Sul na onda do Tea Party, o movimento das bases republicanas que sacudiu o partido antes do tsunami Trump.
A história de estudo, trabalho e sucesso da família de Nikki, característica de imigrantes indianos, é tão americana quanto a de bilionários libertários que querem mudar o mundo, como no clã DeVos-Prince.
O pai dela fez carreira como professor de biologia e a mãe teve uma loja de roupas chamada Exotica International que chegou a faturar milhões de dólares. Nikki começou a trabalhar no negócio da família aos 12 anos.
Segundo adversários democratas, republicanos e racialistas em geral, Nikki abraçou a fé metodista, do marido, Michael Haley, por carreirismo precoce e também passou por um processo de “branqueamento”. Preconceitos parecidos são aplicados a outro filho de imigrantes indianos, Bobby Jindal, governador de Louisiana, republicano, católico e conservador.
Um ex-assessor de campanha de Nikki afirmou, com sórdida riqueza de detalhes descritivos, que teve um caso com ela. Nikki afirmou que renunciaria ao cargo se isso fosse comprovado. Precisará ter uma pele bem mais grossa como embaixadora na ONU, cargo com nível ministerial nos Estados Unidos, por explicar e defender diante do mundo a política externa da maior superpotência.
Nikki não tem experiência nem o currículo estrelado das duas embaixadoras na ONU durante o governo Obama. Susan Rice estudou história e relações internacionais em Stanford e Oxford e fez carreira no Departamento de Estado durante o governo de Bill Clinton.
Rice foi para o sacrifício quando Hillary Clinton, como secretária de Estado, tirou o corpo fora das explicações oficiais patéticas do ataque terrorista em Benghazi, que matou o embaixador americano na Líbia. Tudo culpa de um obscuro vídeo anti-muçulmano, declarou Rice em todos os programas noticiosos de televisão. Um vexame.
Barack Obama salvou-a como assessora de Segurança Nacional. Em seu lugar na ONU colocou Samantha Power, que começou como jornalista, formada em Yale e Harvard, cobrindo a guerra na Iugoslávia, onde se encantou por Sérgio Vieira de Mello, o sedutor brasileiro que trabalhava na ONU e foi morto num atentado no Iraque. Afastada da primeira campanha presidencial de Obama por ter chamado sua adversária na época, Hillary Clinton, de “monstro sem limites” – ah, bons tempos aqueles –, ressurgiu como defensora do “intervencionismo humanitário”.
Como embaixadora na ONU, Nikki Haley estará sob um escrutínio muito maior do que as antecessoras em razão dos indícios de que Trump planeja algum tipo de acordo com Vladimir Putin para resolver dois problemas infernais e inter-relacionados: a guerra na Síria e a ascensão do Estado Islâmico. Seria uma guinada quase sem precedentes na política externa americana.
Diante disso, o trabalho de Betsy DeVos, a futura secretária da Educação, parece quase tranquilo, se é que se pode usar esta palavra em relação a qualquer coisa ligada a um futuro governo Trump. Por enquanto, ela pode se preparar para uma nova onda de exposição sobre o irmão.
Chamado de “príncipe das trevas” e acusado de praticamente tudo, inclusive de chefiar uma espécie de cruzada cristã mundial, Erik Prince foi um SEAL, a maior força americana de operações especiais, e comandou a empresa da família durante um ano, depois da morte do pai.
Aplicou sua parte do dinheiro da venda, coisa de 1,3 bilhão de dólares, para criar a Blackwater. Diz que queria aplicar os princípios da livre iniciativa para criar uma força de segurança capaz de atuar com flexibilidade e rapidez, impossíveis face à burocracia reinante entre os militares de carreira.
Só os contratos de segurança terceirizada para os diplomatas americanos no Iraque renderam quase um bilhão de dólares. E também as encrencas monumentais da empresa que acabou vendendo. Escreveu um livro para “servir de alerta ao próximo cara que correr para prestar serviço quando o alarme tocar: o governo pode te deixar pendurado de uma hora para outra”.
A irmã dele, Betsy, e Nikki Haley terão a oportunidade de sentir na própria pele se isso é verdade. E nada menos do que num governo Trump.