Apagadas da vida no Afeganistão: Talibã proíbe mulheres até de falar
O nível de extremismo religioso cria uma vida infernal para as afegãs, mesmo as que aceitam regras de 1,4 mil anos atrás
As mulheres afegãs não podem estudar além do primeiro grau, não podem trabalhar fora de casa, só saem à rua se estiverem com o corpo e o rosto inteiramente encobertos pela burka, além de acompanhadas pelo marido ou um “guardião” da família e agora foi radicalizada a regra que suas vozes não sejam ouvidas até por outras mulheres.
A vigilância sobre o cumprimento do infernal conjunto de medidas inspiradas pela mais extremista interpretação dos textos muçulmanos vem sendo intensificada nos últimos meses, segundo mulheres que ainda se arriscam a se expressar, mesmo protegidas pelo sigilo.
As regras que controlam nada menos do que a fala, literalmente, foram endurecidas esta semana por Khalid Hanafi, ministro da a promoção da virtude e prevenção do vício, o nome alucinado dado à pasta encarregada de aplicar os mandamentos que sufocam até mulheres acostumadas a seu lugar de extrema inferioridade e exclusão.
É também esse ministério um dos poucos lugares em que mulheres podem trabalhar, para exercer a vigilância e a repressão sobre outras mulheres. Nem o Instagram escapa.
Hanafi disse que as mulheres devem evitar as orações muçulmanas em voz alta na presença de outras mulheres. Uma parteira que trabalha no interior disse ao site TheMedialLine que está proibida de falar até com os maridos das mulheres que atende, um obstáculo absurdo e perigoso. “Não nos deixam falar nem nos postos de controle”, relatou.
INSTRUMENTOS QUEIMADOS
Detalhe: Khalid Hanafi divulgou a intensificação das regras sobre a voz das mulheres através de uma gravação. Recentemente, o Talibã proibiu que qualquer forma de vida seja reproduzida – ou seja, a televisão está inviabilizada.
A interdição corânica à reprodução de figuras humanas e animais, para que ninguém tente imitar Deus, produziu no passado a beleza das formas geométricas vistas nos ladrilhos, azulejos e outras formas de decoração de mesquitas e palácios.
É uma insanidade que seja seguida nos dias atuais. Mesmo os religiosos mais ortodoxos de outros países não a defendem.
Em países extremamente fundamentalistas, a introdução da televisão produziu conflitos no passado. Na Arábia Saudita, o rei Faisal, que tinha uma vertente modernizadora, foi morto a tiros por um sobrinho, em 1975, por ter aprovado novidades como a televisão e algumas outras reformas. O governante atual, príncipe Mohammed Bin Salman, já disse em várias ocasiões que sabe os riscos que corre por suas ambiciosas reformas.
Na Arábia Saudita, era proibida até a música, para não desviar os fiéis da veneração a Alá. No ano passado, o Talibã seguiu o exemplo e promoveu uma grande onda de confisco de instrumentos musicais. Na província de Herat, eles foram incinerados em fogueiras, um crime contra o patrimônio cultural do país e contra os pobres profissionais que ganhavam a vida como músicos. Justificativa: a música “causa corrupção moral”.
ARQUITETO DO TERROR
O extremo fundamentalismo religioso tornou os talibãs conhecidos – e sinônimo de radicalismo furioso – em 2001, quando dinamitaram os Budas de Bamyan, duas gigantescas estátuas esculpidas na rocha quando o Islã ainda nem existia. Pelo fato de serem imagens, e ainda por cima relacionadas a outra religião – ou crença, sendo o budismo um caso à parte em termos de espiritualidade –, tornaram-se objeto do hediondo vandalismo.
Pouco depois, houve os atentados do Onze de Setembro e os talibãs se tornaram o foco das atenções mundiais por abrigarem o arquiteto do terror, o saudita Osama Bin Laden. Os Estados Unidos invadiram o país e tentaram implantar regimes alternativos, sem muito sucesso. As pequenas proteções a direitos das mulheres foram invocadas como justificativas pós-fato, mas na realidade pouco mudou.
Em 2021, por decisão de Joe Biden, os Estados Unidos desistiram de vez, numa mal planejada e mal executada retirada. O Talibã já estava nas portas de Cabul e retomou o poder sem oposição.
Para justificar a desistência, alguns comentaristas inventaram um Talibã mais benigno e menos radical, sendo prontamente desmentidos pela realidade. A obsessão por cabelos, rostos e corpos femininos – e agora, até vozes – voltou a submeter todas as afegãs a um regime equivalente ao de servidão e tratamento desumano. A sua própria existência é considerada uma “tentação” a ser sufocada de todas as maneiras.
Nem falar podem.