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Antes do tique-taque final, cinco mitos sobre a Venezuela

Países europeus cravam em Juan Guaidó, a China começa a deslizar para fora do barco e o sufoco de Maduro aumenta, mas algumas falácias persistem

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 fev 2019, 15h17 - Publicado em 4 fev 2019, 10h28

O país mais emocionante do mundo, hoje, é a Venezuela. O espetacular jogo entre um líder oposicionista que não teria carta nenhuma na mão e um caudilho que poderia quebrar a mesa pode ser acompanhado quase que minuto a minuto.

A inversão de papéis é um dos aspectos mais impressionantes. Juan Guaidó, presidente de uma Assembleia Nacional fechada na prática, fala com uma força e uma convicção impressionantes desde que, com a constituição na mão, se declarou presidente em exercício da nação, devido à ilegitimidade da reeleição de Nicolás Maduro.

Guaidó promete anistia, dá ordens aos militares, discute a reconstrução do país e se dirige aos poderosos com uma inabalável certeza – tudo isso sem ter nenhum controle sobre o aparato de Estado.

“O apoio da China será muito importante para incentivar a economia do nosso país”, disse numa entrevista em que, habilidosamente, ofereceu a paz – e os futuros contratos – a uma das colunas de sustentação do regime.

Percebendo para que lado está indo a coisa, a China já insinuou claramente que o apoio ao regime bolivariano, ao preço de 62 bilhões de dólares em empréstimos, não é inabalável.

“Independentemente de como a situação evolua, a cooperação China-Venezuela não deve ser prejudicada”, disse um porta-voz da chancelaria chinesa.

A situação, obviamente, está evoluindo para a insustentabilidade de Maduro. Com o controle da máquina do governo e da força, é ele quem faz concessões.

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Já ofereceu negociações, propôs uma eleição legislativa, apelou ao papa. Fez até uma espécie de autocrítica em entrevista a um jornalista catalão.

“Somos responsáveis por muitas coisas que funcionam mal. Acho que estamos falhando em muitas coisas”, disse o homem que passou os últimos seis anos atribuindo cada um dos incontáveis problemas da Venezuela às maquinações do império americano.

Agora que realmente o governo americano armou o tabuleiro para o xeque-mate, o cara de pau vem com a falsa autocrítica.

O papel dos Estados Unidos alimenta uma das falácias que ainda cercam a catástrofe em que o chavismo afundou a Venezuela e a emocionante capacidade de resistir demonstrada diariamente nas ruas pelos venezuelanos. Alguma delas:

1. PAÍS DIVIDIDO

As manifestações simultâneas de sábado foram algumas vezes apresentadas como sinal de que a Venezuela está dividida entre o novo regime representado por Juan Guaidó e o velho, de Maduro. Não está, não.

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Segundo uma pesquisa feita entre 25 e 27 de janeiro, 78% dos venezuelanos querem que Maduro seja destituído.

Guaidó, que ainda era pouco conhecido, recebeu o apoio de 39%. Outros 32% disseram não saber e 27% o rejeitaram.

O apoio ao regime por chavistas ideologicamente fieis ou cooptados é calculado entre 20% e 25% da população.

O próprio Guaidó reconheceu que é uma força política legítima a ser incorporada ao futuro panorama nacional. Obviamente, sem o arsenal antidemocrático, a corrupção em escala astronômica e a narcopolítica dos líderes “roubolucionários”.

2. A CULPA É DO PETRÓLEO

É claro que um país tão sistemicamente abraçado a seu maior e quase único recurso natural tem seus ciclos políticos relacionados ao preço internacional do petróleo.

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Os anos 70 viraram quase míticos. O petróleo caro permitiu grandes obras, investimentos sociais, aumento real de salários e crescimento da indústria petroquímica. O tenente-coronel Hugo Chávez começou a ascender politicamente quando o petróleo – e o bolívar – entraram em queda.

Teve sorte. Começou o primeiro mandato, em 1999, com o barril de petróleo a 10 dólares. Em 2003, chegou a cem dólares.

Foi isso que sustentou os programas sociais que reduziram o número de venezuelanos vivendo na pobreza de 49% para 27% (hoje, o índice é de estarrecedores 67%).

E lhe deu a força política para sufocar ou estatizar a indústria, eliminar paulatinamente os meios de comunicação independentes, aparelhar toda a máquina – incluindo a PDVSA, a Grande Mãe -, chamar os cubanos para reformatar as forças armadas e continuar ganhando eleições com uma base popular doutrinada ao estilo caudilhesco e seduzida por benefícios sociais.

Era tudo, evidentemente, insustentável. A crise e a queda nos preços das matérias-primas, incluindo o petróleo, afetou a América Latina, mas atribuir automaticamente mudanças políticas e declínio do populismo de esquerda apenas a estes fatores é um erro.

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Além do teor mecanicista levado ao absurdo, também tem por objetivo nem sempre declarado criar uma desculpa para a catástrofe cuidadosamente plantada por Chávez e levada aos estertores finais por Nicolás Maduro.

Prova: não existe fome generalizada nem ruína da máquina estatal na Indonésia, em Angola ou no Equador, todos igualmente produtores importantes de petróleo.

Mas é verdade que o “ouro negro” ou “excremento do diabo”, dependendo do uso que é dado ao petróleo, agora desempenha um papel vital no cerco a Maduro.

Ao bloquear o acesso aos ativos da Citgo, a rede de refinarias e postos de gasolina nos Estados Unidos, comprada pela Venezuela em 1990, o governo americano deixou o regime madurista praticamente sem moeda forte.

Sem petrodólares, sem saída.

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3. AMERICANOS MALVADOS

Sim, os Estados Unidos montaram a armadilha para o madurismo.

Sim, os Estados Unidos deram uma forçada de barra com europeus e latino-americanos para entenderem que a hora era agora.

Sim, os mais conhecidos oposicionistas venezuelanos participaram e continuam participando ativamente do plano, que teve como peças-chave o senador Marco Rubio e o deputado Mario Diaz-Balart, ambos de origem cubana.

Nada disso torna os oposicionistas, alguns deles transformados de políticos comuns e muitas vezes incompetentes em heróis da liberdade, “vassalos do imperialismo” ou colaboradores maleáveis aos interesses americanos.

O interesse supremo é libertar a Venezuela e os Estados Unidos são o único país capaz de peitar a tarefa.

Não é fácil, mas até alguns antitrumpistas reconhecem que, sem Donald Trump, Nicolás Maduro continuaria alegremente rumo ao desastre final, de proporções inimagináveis.

4. VAMOS NEGOCIAR

Mentira, mentira, mentira. Todas as “negociações” propostas por Maduro e aliados bolivarianos foram armações cínicas para ir tocando o barco e enganar os que queriam ser enganados.

Até o papa Francisco percebeu isso quando se deixou envolver numa dessas armações. Mesmo assim, o coração populista do papa o impede de exercer a força moral exigida em momentos como o atual.

Contundente nos ataques ao muro sonhado por Trump na fronteira com o México, veemente na defesa da abertura incondicional de fronteiras dos países ricos a todos os que queiram entrar neles e valente na condenação de temas complicados, como o aquecimento global, o papa é um cordeirinho diante da fome e do desespero dos venezuelanos.

Teme “um possível banho de sangue” na Venezuela, sem reconhecer que ele já está ocorrendo, seja pela miséria, seja pela repressão.

Ao contrário de João Paulo II, cauteloso quando foi necessário, corajoso quando a hora certa chegou para incentivar o sonho de liberdade da Polônia e, assim, mover uma peça fundamental para o desmantelamento do comunismo, o papa argentino já perdeu o bonde da história.

5. A CULPA É DO CÂNCER

Se Hugo Chávez não tivesse sofrido um câncer, se não tivesse procurado as excelências da medicina cubana, se não tivesse morrido aos 59 anos…

Os simpatizantes do populismo de esquerda podem especular até todo o petróleo do mundo acabar.

O fato é que Chávez plantou meticulosamente as raízes da desgraça venezuelana. E ungiu como sucessor Nicolás Maduro, extraordinariamente competente para multiplicar estes males e levar o país ao fundo do abismo.

E, ainda por cima, azarado: assumiu o poder com o petróleo a mais de 90 dólares, agarra-se a ele com o barril a 45.

Sim, acabamos de dizer que o petróleo não explica tudo. Mas a combinação de preços baixos com incompetência terminal, cupidez e pura e simples estupidez, capazes de reduzir a produção de 3 milhões de barris a 1,3 milhão e, em seis anos, devorar a metade do PIB venezuelano, não tem paralelos na história.

Juntos, Chávez e seu pupilo Maduro promovem a maior catástrofe já vista no mundo num país sem guerra.

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