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Alberto Fernández solta o gogó na Rússia e traz China para nosso quintal

Falar mal dos Estados Unidos em Moscou foi apenas um dos lances de Alberto Fernández; mais importante é entrar para a turma dos aliados de Beijing

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 8 fev 2022, 12h24 - Publicado em 8 fev 2022, 07h51

Estão achando ruim a visita do presidente brasileiro a Moscou em plena crise com a Ucrânia? 

Consolem-se: Alberto Fernández não só foi se encontrar com Vladimir Putin na toca do urso como falou que a aproximação com a Rússia era boa para um país que precisa se desligar da influência dos Estados Unidos e do Fundo Monetário Internacional. Também ofereceu seu país como “porta de entrada à América Latina”.

Detalhe: a Argentina tinha acabado de fechar um acordo com o FMI para não escorregar de novo para o lugar habitual, de pária do mercado. O apoio americano foi fundamental.

“Cuspiu na mão que estendemos”, resumiu para o La Nación um diplomata americano.

O agrado gratuito a Putin tem uma explicação (mas não uma justificativa). Fernández está toureando a mais previsível das crises, dentro de seu próprio partido. Máximo Kirchner, que a mamita vê como herdeiro do clã, renunciou ao comando dos deputados governistas em protesto contra o acordo com o FMI, mesmo em condições relativamente favoráveis para a Argentina.

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Fazer barretadas à Rússia pode passar, para os mais entusiasmados, por “política externa independente”, mesmo que a independência seja limitada pela economia acuada e outros problemas autoprovocados.

Menos retórico foi o acordo que Fernández selou em Beijing para o ingresso oficial da Argentina na Nova Rota da Seda, o plano mundial para a construção de vastas obras de infraestrutura, de portos e ferrovias a corredores digitais, para ampliar o comércio – e a influência – da China.

O plano prevê investimentos de 23 bilhões de dólares na Argentina, um dinheiro caído do céu para um país que colocou a si mesmo, com seus fabulosos recursos naturais, numa situação de exclusão.

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O dinheiro irá para projetos de infraestrutura, energia e transporte.

Pouco antes, separadamente, o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof,  havia finalizado um acordo com a China para a construção da terceira usina nuclear argentina, Atucha III, num total de oito bilhões de dólares.

Obviamente, tudo que envolve energia nuclear tem importância estratégica.

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Caracteristicamente, Fernández disse a Xi Jinping que “se fosse argentino, seria peronista”. Já o embaixador Sabino Via Narrava foi mais adiante no servilismo e disse, em mandarim: “Sem o Partido Comunista, não haveria uma Nova China”.

A Argentina é o maior país latino-americano a entrar oficialmente na esfera de influência da China e, pela proximidade e intensidade das relações diplomáticas e comerciais com o Brasil, isso obviamente se reflete além de suas fronteiras.

A expansão da influência chinesa, via os trilhões de dólares, literalmente, que enchem as reservas internacionais, começou pela América Central e Caribe e está se espalhando pela América do Sul. Já entraram para a Nova Rota da Seda (OBOR, na sigla em inglês) Panamá, Costa Rica, El Salvador, Trinidade e Tobago, Dominica, Granada, Antigua e Barbuda, República Dominicana, Barbados, Jamaica, Cuba, Suriname, Bolívia, Guiana, Venezuela, Uruguai, Chile, Equador e Peru.

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É uma lista impressionante, prova da ambição do projeto geoestratégico chinês. O dinheiro, obviamente, não é dado de mão beijada e os acordos estão cheios de cláusulas sigilosas, proibindo sua divulgação. Corre nos bastidores da diplomacia que muita gente vai chorar de saudades do FMI quando achar que pode dar calote nos chineses.

Dizer que o mais recente acordo colocou a China no quintal do Brasil é uma forma de expressão, produto da geografia, que não implica absolutamente em desmerecer a importância da Argentina. Justamente por causa dela, o novo alinhamento coloca no tabuleiro regional aspectos fundamentais do relacionamento bilateral, inclusive o Mercosul.

Procurar novas fontes de financiamento é um direito, se não dever, dos países que precisam de dinheiro para se desenvolver. Também é dever de países vizinhos analisar e entender o que grandes realinhamentos significam para eles.

Ao todo, a China já assinou acordos relacionados à Nova Rota da Seda com 150 países, principalmente na Ásia e na África. A ofensiva nas Américas é mais recente. E não vai parar.

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