Ajoelhou, tem que rezar: o complicado protesto do jogador americano
Colin Kaepernick não se levanta para ouvir o hino nacional. Será que vai ter que passar o resto da carreira ajoelhado?

Começar o protesto não foi exatamente difícil. O problema é o que Colin Kaepernick vai fazer depois que o gosto da novidade se esvair. Da primeira vez, o jogador de futebol americano ficou sentado quando o venerado hino nacional tocou, em protesto pelas mortes de homens negros em diferentes operações policiais – uma questão que está botando fogo no país. Como a atitude pareceu esculhambada demais, ele passou a se ajoelhar. Alguns outros jogadores aderiram.
Quem acompanha o esporte pela imprensa e outros meios, poderia concluir que Kaepernick virou um herói, colocado até na capa da revista Time. Seus únicos oponentes seriam trumpistas furibundos.
Pesquisas de opinião mostram que a linha Trump-Hillary não se repete no caso do jogador. A maioria dos americanos critica Kaepernick. Numa delas, da Reuters, 72% disseram que a atitude mostra falta de patriotismo. Como bons americanos, 64% apoiaram o direito constitucional do jogador de manifestar sua opinião, mesmo discordando dela.
Kaepernick joga no 49ers de São Francisco (Forty niners, ou apenas Niners, para os íntimos), na posição mais importante, a de quarterback. Não chega nem perto da fama e da habilidade esportiva de Tom Brady, conhecido no Brasil como o marido da modelo Gisele Bündchen. Mas por causa do protesto iniciado em 13 de agosto, sua camisa atualmente é a mais vendida.
Como o presidente Barack Obama, ele é filho de mãe branca e pai negro. como Steve Jobs e Jeff Bezos, numa história já contada aqui, a mãe era adolescente e o entregou para adoção. Nunca revelou quem é o pai. O casal Kaepernick, que tinha dois filhos vivos e havia perdido mais dois devido a uma doença cardíaca congênita, criou-o de maneira tradicional: família, escola e religião.
Se não se chamasse Kaepernick, seria Zabransky, o nome de solteira da mãe biológica, Heidi, a quem nunca quis conhecer. Por causa da criação e da educação, o jogador fala bem – ou pelo menos da maneira que americanos de todas as classes entendem. O futebol americano, que como quase tudo no país foi segregado no passado, hoje tem 68% de jogadores negros nos grandes times da liga nacional.
Como nos jogos de futebol no Brasil, o hino nacional americano é tocado antes que comece a partida. Da mesma forma, é considerado de “direita” pelos autodenominados progressistas, que o consideram uma manifestação obscurantista de patriotismo.
Também é cheio de versos em ordem inversa e de entendimento complicado. O hino celebra a pátria, claro, e a própria bandeira, evocando um episódio da guerra de 1812 contra os ingleses no qual o “estandarte estrelado” pairou vitorioso sobre um ataque naval inimigo.
Extraordinariamente difícil de cantar, o Star Spangler Banner é conhecido, via cinema e esportes, no mundo inteiro. Mesmo quem tropeça no inglês consegue reproduzir as palavras finais da primeira estrofe: “The land of the free and the home of the brave”.
Como a terra dos livres e dos bravos continua recompensando o patriotismo, cantar o hino no intervalo da final do campeonato de futebol, o Super Bowl, é uma honra disputada por cantores famosos. Beyoncé cantou em 2004 e Lady Gaga este ano. Whitney Houston, em 1991, ainda é considerada a intérprete mais retumbante. A versão maravilhosamente suave de Marvin Gaye foi no campeonato de basquete, em 1979.
Colin Kaepernick disse que vai continuar seu protesto ajoelhado até que haja uma mudança significativa na questão racial, uma aposta altamente complexa. O próximo Super Bowl será em fevereiro de 2017, com o novo (ou nova) presidente já empossado.
Trump, com a crueza típica, já disse que Kaepernick deveria procurar outro país, já que não está satisfeito nos Estados Unidos – uma cretinice. O que acontecerá se o time do jogador estiver na final? Quem se ajoelha uma vez, tem que continuar se ajoelhando. Até quem é indiferente ao esporte ficará curioso para ver o desenlace. Certamente, baterá a audiência, de 111,9 milhões, deste ano.