Acabou para Biden e Kamala Harris enfrenta a dureza de disputar com Trump
Como vice-presidente, ela decepcionou os que esperavam tanto,; com o início como amante de político, agora tem um “Imorrível” pela frente
A combinação de covid e mais manifestações nada ocultas dos grandes nomes do Partido Democrata acabou com a pequena fresta de esperança aberta para Joe Biden com o atentado contra Donald Trump, um acontecimento momentoso que beneficiava a estabilidade. Só falta a família Biden fazer a caridade de tirar o alquebrado presidente da corrida e estará aberto o caminho para uma provável candidatura de sua vice, Kamala Harris.
Com o “sistema” em ação para encerrar a agonia de Biden – apressado pelo risco nada desprezível de que o Partido Democrata perca a presidência e o Senado e não recupere a Câmara -, Kamala tem que percorrer as etapas finais com grande equilíbrio. Não pode ir tão depressa a ponto de parecer que está traindo o presidente dolorosamente senil nem tão devagar que deixe os outros concorrentes passar à sua frente.
Não faltam candidatos, todos querendo explorar o fato de que a vice está profundamente associada a Biden e muitos eleitores querem renovação, novidade, caras novas.
É um balé político de alta complexidade. A vice que tinha tudo para se destacar, acabou sendo uma decepção, com índices mais baixos de aprovação do que o próprio Biden e declarações confusas ao estilo “salada de palavras” ou estapafúrdias, devidamente exploradas pela oposição. Circula nesse meio o vídeo com “nove coisas malucas” ditas por ela.
Na cena final, Kamala se orgulha de, na condição de secretária da Justiça da Califórnia, ter começado a “processar os pais” por faltas dos filhos às escolas. Diz isso em tom de satisfação e ironia – um desastre obviamente. Quem pode achar bom processar pais e mães que talvez enfrentem dificuldades para manter o comparecimento de suas crianças?
NAMORADA FIXA
Kamala desperdiçou as vantagens excepcionais com que chegou à vida pública: advogada bem preparada, foi senadora e, como nenhum americano deixa de notar, a primeira mulher, e “mulher de cor” – produto da mistura entre o pai jamaicano e a mãe indiana com origem na etnia tamil -, a chegar a vice-presidente.
Sem falar que é bonita, transformou o terninho numa marca registrada sem nada dos modelos horrendos usados por Hillary Clinton, tem um sorriso hollywoodiano e cabelos que são a inveja nacional, tendo deixado o estilo afro na juventude (faz uma coisa chamada “prancha de seda” na cabeleira alisada, mas com escova e secador, sem chapinha, segundo contou numa entrevista).
A carreira excepcionalmente bem sucedida começou com uma “âncora que carrego no pescoço” (em inglês, o albatroz), segundo suas próprias palavras: um caso com o presidente da Câmara dos Deputados do estado da Califórnia, Willie Brown, uma figura folclórica da política americana que seria o primeiro prefeito negro de São Francisco e continua até hoje, aos 90 anos, casado com a mulher original.
Brown tinha 60 anos e Kamala, 29. Era sua “namorada fixa”, sendo levada a eventos públicos e nomeada para dois cargos idem, abrindo caminho para a carreira política que culminou na eleição para o cargo equivalente a uma mistura de secretária da Justiça e chefe da promotoria.
Na época, Barack Obama disse que ela era a mais bonita promotora do país. Depois se desculpou pela misoginia – uma bobagem, visto que a beleza não elimina a competência, embora possa ofuscá-la.
FRITURA PREVENTIVA
Por que Kamala decepcionou? Uma das explicações é que Biden lhe deu o maior abacaxi que existe, tratar da questão da imigração clandestina. Kamala, que é da ala de esquerda do Partido Democrata, fez exatamente zero. A questão da fronteira aberta, juntamente com a perda do poder de compra, é a principal preocupação da maioria dos americanos.
Teria Kamala feito cara de paisagem diante da fritura do chefe, passando-lhe uma tarefa impossível? Se o fez, foi uma estratégia profundamente errada.
Fontes do governo Biden vazaram furiosamente informações em off, dizendo ao New York Times que a equipe de análise de dados da campanha tinha testado o nome da vice numa disputa com Donald Trump e o resultado tinha sido negativo. Foi fritura preventiva, claro. Mas o fato é que há pesquisas indicando realmente que ela tem um desempenho fraco contra Trump.
Como as últimas semanas nos Estados Unidos comprovaram que todas as certezas podem ser jogadas pela janela em tempo muito rápido, é recomendável ter muita prudência.
OPÇÃO DIFERENTE
No momento, realmente os números são ruins para a vice-presidente. Uma pesquisa BlueLabs mostrou que quatro outros aspirantes democratas teriam desempenho melhor do que Biden nos decisivos estados-pêndulo.
Mas Kamala ainda não está na linha de frente, defendendo sua candidatura e a imagem de uma opção diferente, uma pessoa cheia de vigor e energia, ideal para deixar para trás a farsa monumental tecida em torno da decrepitude do presidente octogenário.
Também não deve ser subestimada: massacrou Joe Biden num debate entre pré-candidatos quando ele desconversou sobre o programa de integração racial através de ônibus escolares que buscavam crianças negras para frequentar instituições sem minorias.
Muitos americanos ainda se lembram de como ela mencionou uma menininha que ia num desses ônibus e lacrou: “Aquela menininha era eu”.
O novo Trump “bonzinho”, humanizado pelo atentado e com discurso mais moderado, também pode ser um adversário mais perigoso do que o Trump “mau” em qualquer debate.
“PARTIDO ABAIXO”
Qualquer candidato democrata parte de uma base de aproximadamente 40% dos votos, talvez um pouco mais. É a turma que não votaria em Trump nem se ele andasse sobre a água – ou, sabe-se lá, desviasse de balas assassinas.
Kamala teria que atrair o centro, eleitores independentes ou mais relutantes em votar em Trump.
Não é fácil. Para dar uma ideia da bolha liberal em que vive: Ella, sua enteada – a vice é casada com o advogado Doug Emhoff e não tem filhos biológicos -, apoiou a arrecadação de dinheiro para o UNRWA, o órgão da ONU de apoio aos refugiados palestinos totalmente infiltrado pelo Hamas, a ponto de abrigar depósitos de armas e postos de comando do grupo terrorista. Ella é judia por parte de pai.
É difícil imaginar que Kamala Harris venha a perder a candidatura democrata. Uma líder negra já ameaçou que “vamos pôr o partido abaixo” caso a vice seja relegada. Os votos perdidos de eleitores negros, em represália pelo escanteio de Kamala, certamente ajudariam a eleger Trump.
Kamala Harris, com todas as restrições, pode ser, ou parecer ser, a salvação. Chamada de “vice-presidente Trump” pelo obnubilado Biden, em outra prova de suas muitas confusões mentais, ela tem que jogar com as cartas grudadas no peito para não dar a impressão de que, tendo começado a carreira como amante de um político mais velho, agora dá o grande salto apunhalando um presidente idoso e senil que tem recusado a “saída digna” oferecida por simpatizantes.
SEM SAÍDA DIGNA
Barack Obama, os Clinton, Nancy Pelosi, Chuck Schumer, Hakeem Jeffries, o New York Times, a CNN, financiadores milionários e famosos do mundo artístico e até o “amigo pessoal” Joe Scarborough do programa matinal da CNBC, antes tão apaixonados por Biden, alinharam posições para esfaquear o presidente alquebrado. Obama entrou para a história mundial da perfídia com a frase infinitamente reproduzida: Biden tem que “considerar seriamente” a viabilidade de sua candidatura, como disse através do instituto do off.
Existe o risco, na atual situação de extrema volatilidade, que tenham chegado atrasados. Muitos eleitores indecisos podem ficar simplesmente furiosos com a armação montada em torno de Biden para dar a impressão de que ele era um estadista sábio e experiente, não o octogenário em declínio acelerado que todos estavam vendo.
Se demorarem muito, acaba até a opção de uma saída digna para Biden, com o risco de que, como no final de tragédias shakespearianas, todos terminem mortos, politicamente.
Kamala, ao contrário, tem que flutuar acima disso, como o espírito encantado Ariel em A Tempestade, para sair viva e elegível desse cenário. E atravessar uma tempestade daquelas.