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A vida não está fácil mesmo

E isso se reflete na popularidade de líderes políticos, de Biden a Boris

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 12h08 - Publicado em 30 abr 2022, 08h00

Os americanos estão comendo mais depois da pandemia — e ainda por cima pagando contas até 10% mais altas pelos produtos alimentícios. Também estão mudando de emprego ou simplesmente de estilo de vida, o que causa falta de mão de obra em setores que vão de caminhoneiros a operadores do mercado financeiro, pressionando os salários para cima. Mudanças comportamentais e choque de placas tectônicas como a Covid e a invasão da Ucrânia confluíram para uma inflação de 7,9%. Os resultados são visíveis na popularidade de Joe Biden: seus índices de aprovação despencaram para até 35% — não muito diferente de Jair Bolsonaro, habitualmente retratado como o pior presidente da história da humanidade. O que Biden fez de tão horripilante para cair tanto? Fora ir à caça de combustíveis fósseis no mais errado dos momentos, ele basicamente gastou muito em programas emergenciais, o que de forma geral serve para aumentar, não diminuir, a popularidade. Com preços em alta, a coisa muda.

“Qual economista colocaria no seu planejamento duas encarnações de um vírus mortal, a delta e a ômicron?”

Na Argentina, todo o habitual melodrama político pode ser resumido em dois dados: inflação, 51%; desaprovação a Alberto Fernández, 81%. A rejeição da maioria dos franceses ao nome Marine Le Pen impulsionou a reeleição de Emmanuel Macron, mesmo com uma campanha oposicionista intimamente abraçada ao custo de vida. Mas atenção para o detalhe: a França tem a inflação mais baixa entre os países da União Europeia, 4,2%. E a renda média na verdade aumentou durante o governo Macron.

No Reino Unido, a realidade do mundo pós-pandêmico e a inflação de 7,4% estão pegando forte. O FMI prevê que o reino enfrente “o pior dos mundos”: mercado de trabalho aquecido, como nos Estados Unidos, e preços da energia enlouquecidos, como na União Europeia. Contrariando um dos fundamentos da filosofia conservadora, o governo de Boris Johnson optou pela dolorosa sanidade fiscal e aumentou impostos. A contribuição para a previdência social vai subir 1,5 ponto porcentual agora em abril. Temperado com o caso das festinhas no trabalho durante a pandemia, o resultado é de nível argentino: só 28% dos eleitores continuam fiéis ao primeiro-ministro, um desastre histórico.

Qual economista colocaria no seu programa de planejamento duas encarnações, a delta e a ômicron, de um vírus de alcance global que devastou as atividades produtivas durante quase dois anos? Ou quem imaginaria que as exportações de fosfato vindo da Rússia se transformariam num tema existencial para o Brasil? “Foi uma série de eventos que nunca vimos antes e continua a parecer que vai piorar antes de melhorar”, resumiu para o Guardian o especialista em commodities Josh Linville, falando sobre a crise de fertilizantes agrícolas. Indiretamente, ele resumiu o que “todo mundo” pensava: a Rússia consumaria uma invasão rápida e tudo mais ou menos voltaria ao que era antes. Com sua defesa surpreendentemente valente, os ucranianos resolveram mostrar que “todo mundo” estava errado. E que, aqui, em se plantando tudo dá, contanto que tenha superfosfato triplo, um dos nutrientes atingidos pela tempestade perfeita: suspensão de exportações, gargalo logístico e preços doidos. Acaba tudo no custo da comida no prato, na dor no bolso e nos índices de popularidade política amputados à foice.

Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787

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