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A síndrome do apocalipse

Clima, guerras e inteligência artificial aumentam inseguranças

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 09h37 - Publicado em 4 fev 2024, 08h00

O mundo era para ter acabado em 21 de dezembro de 2012. Alguém ainda se lembra da profecia feita pelo calendário maia? Pois os termos hoje usados para descrever catástrofes supostamente iminentes estão na boca não da turma alternativa que sinceramente acredita em profecias de povos nativos, mas de autoridades como o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, cada vez mais possuído pelos arroubos verbais. A humanidade “abriu as portas do inferno” e assiste ao “colapso climático em tempo real” — essa foi uma das declarações que ele fez recentemente. Acusar a “humanidade” de fazer alguma besteira, pela qual será punida das formas mais extremas, é comportamento recorrente. Tem até um nome, para os casos mais exagerados: o apocalipsismo, espécie de ideologia do fim do mundo. A ideia de que caminhamos para um fim iminente e catastrófico bebe na fonte das três grandes religiões monoteístas. Judaísmo, cristianismo e islamismo têm suas próprias versões do final dos tempos (e os maias também, a cada 2,8 milhões de dias). É uma ideia anticientífica, baseada no temor da ruptura do “equilíbrio natural”: desde o momento em que provamos do fruto proibido do conhecimento, condenamos a nós mesmos à extinção, seja pelo uso de combustíveis que impulsionaram a exuberância econômica sem paralelos de que nos beneficiamos hoje (o PIB mundial passou dos 100 trilhões de dólares em 2022), seja por termos quebrado o átomo. Em 1945, foi criado o Boletim dos Cientistas Atômicos e, em seguida, o Relógio do Fim do Mundo. Na época, ele estava a 7 minutos da meia-noite. Hoje parou em 90 segundos.

“A turma das trombetas não está sozinha — até os relógios quebrados estão certos duas vezes por dia”

A metáfora do relógio prestes a chegar ao momento do apocalipse tem um grande apelo popular, alimentado por filmes e livros de ficção científica que anteciparam tudo — pragas, invasão de alienígenas, corpos celestiais destruidores, explosões solares, ataques cibernéticos, conflitos no Oriente Médio, computadores mais inteligentes do que nós e, inevitavelmente, a guerra nuclear, Na esteira da pandemia, uma pesquisa mostrou que 39% dos americanos acreditam “vivermos o fim dos tempos”. Entre os evangélicos, a proporção é de 63%. Felizmente, a maioria das vertentes evangélicas tem uma cultura de esforço e superação, não de conformismo. Pois é esse o maior perigo do apocalipsismo: criar medo, disseminar o derrotismo e alimentar uma postura de que tudo está perdido. O “ecofatalismo” é um neologismo que descreve o desânimo dos jovens acostumados a ouvir Greta Thunberg prognosticando, literalmente, o pior dos mundos.

A perspectiva de que a Rússia saia fortalecida depois de desfechar uma guerra criminosa contra a Ucrânia levou nas últimas semanas autoridades militares europeias a fazer graves avisos de que Vladimir Putin tem planos vilanescos e a Europa inexoravelmente marcha para uma guerra (foram desmentidos por governos apavorados em tirar dos seus espaços seguros a geração formada na universidade do TikTok). A morte de três soldados americanos na Jordânia, atingidos por um drone com as digitais do Irã, voltou a agitar as três palavras malditas — Terceira Guerra Mundial —, com um alto componente politiqueiro. Interessa à oposição a Joe Biden pintar um mundo prestes a explodir por sua inabilidade. Mas até os relógios quebrados estão certos duas vezes por dia e a turma das trombetas do apocalipse não está sozinha nos seus temores.

Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878

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