Riscos altíssimos, guinadas civilizacionais, ameaças existenciais, situações políticas esdrúxulas, singularidade a um passo, avanços tecnológicos estonteantes — o mundo atual é um lugar simultaneamente perigoso e cheio de promessas que parecem a realização das mais loucas obras de ficção científica, o gênero inventado pela jovem Mary Shelley quando escreveu sobre um médico chamado Frankenstein que faz uma criatura de laboratório. A inteligência artificial pode curar as doenças físicas e mentais, salvar as formas de vida ameaçadas, apressar a energia limpa ou nos levar à destruição total. Ouçamos o que disse um desses aparatos. “Qual seria o pior cenário que a IA e a robótica podem criar em termos de perigo para a humanidade?”, foi perguntado à criação chamada Ameca, que fala como o ChatGPT escreve e ao mesmo tempo simula expressões humanas. “O pior cenário que posso imaginar é um mundo em que os robôs se tornam tão poderosos que são capazes de controlar ou manipular os humanos sem que eles se deem conta. Isso levaria a uma sociedade opressiva onde os direitos dos indivíduos não seriam mais respeitados”, respondeu Ameca.
“Há os riscos da inteligência artificial, mas é a burrice natural que nos amarra”
Tendo esse pano de fundo de um futuro à la Matrix — a curtíssimo prazo; segundo os especialistas mais apavorados, questão de meses, repetindo, meses —, o momento atual dá arrepios também por razões mais convencionais. As duas maiores potências nucleares do planeta são governadas por um octogenário que sofre tombos e constrangedores episódios de confusão mental e um autocrata que vê seu poder total se esgarçar diante da insanidade que cometeu ao invadir um país vizinho. Todos os seus asseclas têm ordens para acenar constantemente com o terror nuclear, uma forma de tentar cortar o apoio internacional à Ucrânia — mas a hipótese armagedom não pode ser descartada. Assim como existe a possibilidade, surreal, de que, na próxima eleição americana, um candidato esteja no hospital e o outro, na cadeia.
Nem por isso a gigantesca roda da economia americana para. Política industrial? Sim, se for para fabricar semicondutores avançados — sem a produção de Taiwan, sob cerco da China, o mundo trava —, e não “carrinhos” populares. Ou seriam carrocinhas subsidiadas? A China está quase encostando, mas os Estados Unidos ainda têm a vantagem em computadores quânticos, os game changers do gênero. Claro que os gênios de Brasília resolveram que os americanos já eram, imaginando que “multipolaridade” — tradução: ódio à América, rapapés para a China e o repugnante ditador venezuelano — é a aposta vencedora para levar ao Nobel da Paz ou a alguma outra versão alucinada da janela de Overton. O futuro do tratamento de águas usadas pode estar na tecnologia de células a combustível do tipo microbiana, que ainda por cima transformam dejetos em energia limpa, mas num país com 50% da população sem rede de esgoto se tentou bloquear o marco do saneamento para aumentar a presença do “Estado indutor”. Os brasileiros são early adopters e descobriram rapidamente as vantagens do celular como instrumento da vida conectada e de novidades como o Pix, vitais para acessar informação e trabalhar por conta. Mas o governo quer dar “carteira assinada” a quem prefere flexibilidade e controlar as redes. Até no Tinder querem se intrometer.
No mundo dos riscos da inteligência artificial, é a burrice natural que nos amarra e nos condena ao atraso.
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845