A mulher que tirou Jordan Peterson do Twitter e a diversidade da beleza
O psicólogo canadense que virou guru e ensina comportamento digno a muitos homens perdidos pisa na bola ao criticar modelo plus size
É preciso reconhecer o feito de Yumi Nu, modelo americana de 25 anos, com japoneses e holandeses na árvore genealógica: ela conseguiu ser muito, muito mais comentada do que Kim Kardashian, a mulher com o corpo mais falado do planeta com quem dividiu uma das capas do número especial da revista Sports Illustrated com beldades de biquíni.
A súbita notoriedade da modelo foi induzida por outra personalidade muito comentada, embora sempre vestida: Scott Peterson, o professor de psicologia que ficou rico e famoso ao falar sobre uma vasta diversidade de assuntos e escrever uma versão de autoajuda que incentiva muitos rapazes e homens a assumir uma masculinidade saudável.
Peterson provavelmente nunca aconselharia seus milhões de admiradores a falar com desprezo, e ainda por cima na praça virtual, sobre o corpo de uma mulher. Mas foi exatamente o que fez ao comentar a capa com Yumi Nu:
“Sinto muito. Não é bonita. E nenhuma quantidade de tolerância autoritária vai mudar isso”.
É fácil ver a motivação: Peterson se distingue no mundo intelectual por contestar, com uma vasta a ferina gama de argumentos, os fundamentos dos princípios politicamente corretos. Já se meteu em várias encrencas por causa disso. Achou que cairia bem criticar a “tolerância autoritária”, a repetição infinita de que todos os corpos são bonitos, todos (ou principalmente todas) devem viver perfeitamente felizes com o quinhão que a natureza lhes deu e alterações radicais só em nome de causas justas, inclusive nos casos de dismorfia de gênero.
Caiu muito mal. Ficou parecendo um tiozão que zomba de uma jovem mulher. É feio isso e mostra que usar terno e colete não confere automaticamente a um homem o rótulo de cavalheiro.
Peterson foi tão criticado que acabou anunciando que estava saindo voluntariamente do Twitter.
Yumi Nu, chamada de plus size, um termo elegante para quem tem altos índices de massa corporal, comemorou dublando uma música abusada de Nicki Minaj.
A modelo, que é neta do milionário fundador de uma rede de restaurantes japoneses e sobrinha de outra beldade profissional, Devi Aoki, é linda e gorda e certamente tem uma legião de admiradores que babam por seu corpo bem cheio.
A beleza da diversidade está exatamente nisso: gostos e preferências variam. Dizer que não existem padrões estabelecidos de beleza é tolice – existem sim e provocam muito sofrimento, tantas vezes inútil, em especial quando adolescentes estão descobrindo a atração sexual e seu séquito de emoções.
Uma das maiores constantes do padrão de beleza para as mulheres é a relação entre a circunferência da cintura e a do quadril, um padrão que Kim Kardashian levou a extremos tão grandes que parecem suprahumanos. Quantas mulheres não fazem todo tipo de sacrifícios e intervenções cirúrgicas para emular a cinturinha minúscula, os seios inflados e os quadris e nádegas avantajados da família Kardashian?
Fazer cirurgias estéticas é uma afirmação de poder ou submissão a padrões de beleza? Ativo ou passivo? Feminista ou machista?
Alterar e controlar o próprio corpo faz parte de todas as culturas humanas e não existem respostas fáceis.
Num artigo no New York Times, a autora Melissa Febos escreveu sobre a trajetória que a levou a fazer uma cirurgia de redução dos seios, depois de muito tempo se debatendo com a possibilidade. Ela conta como, desde os onze anos, foi definida pelos seios muito grandes – e assediada, apalpada, seguida e colocada numa posição em que isso a definia quase que exclusivamente.
Melissa, que é casada com uma mulher, e usa argumentos feministas para sua cirurgia. Escreveu o tipo de artigo – argumentos feministas para sua operação – que começamos a ler com má vontade, mas descobrimos um raciocínio interessante e uma história humana única.
Seres humanos são complexos, desembarcam no planeta com uma grande variedade de modelos e têm o direito de aceitá-los ou tentar dar uma corrigida.
Todo mundo sabe o que se fala, pelas costas, de uma pessoa muito gorda – e também dos excessivamente magros, entre outras características marcantes.
Não é elegante dizer isso na praça virtual. E Scott Peterson seria um dos últimos a poder esgrimir argumentos com base em saúde: ele passou por um período pesadíssimo, com tratamentos extremos para vício em benzodiazepínicos, insônia insuportável e grandes alterações de comportamento.
Detalhe: além de Kim Kardashian e Yumi Nu, posaram para a Sports Illustrated a cantora Ciara, espetacularmente curvilínea, e Maye Musk, a mãe do homem mais rico do mundo e provável futuro – ou ex – comprador do Twitter.
Ela continua a trabalhar como modelo e segura bem os 74 anos. Mas é uma mulher de idade. Jordan Peterson diria que a mãe de Elon, que hoje está no Brasil, não é bonita?