A morte no jatinho da Embraer: castigo a Prigozhin veio pelos ares
Alguém pode sinceramente achar que acidente fatal foi só um acaso, mas os outros 100% da humanidade vão duvidar
Livre, leve e solto, Ievgueni Prigozhin era uma contradição ambulante. Como podia o homem que pegou em armas contra Vladimir Putin, embora não classificasse seu levante de golpe, ser castigado apenas com um leve tapinha na mão?
Seja qual foi o motivo do acidente com um avião particular fabricado pela Embraer em que morreu o líder do Grupo Wagner, está inelutavelmente colocado na lista de desafetos de Putin que tiveram, como se diz nos filmes, um fim pegajoso.
Com muito menos destaque, por motivos óbvios, havia sido anunciada apenas um dia antes, a remoção do general Armagedon, Serguei Surovikin, o comandante já sem comando da operação na Ucrânia. Surovikin, dizia a fábrica de boatos, fazia parte de uma lista de trinta integrantes considerados “membros VIP” do Grupo Wagner. Sumiu do mapa logo depois do ainda inexplicado levante que Prigozhin comandou e, rapidamente, desarticulou, expondo em apenas 24 horas as vulnerabilidades de um sistema que deveria ser à prova de tudo, que dirá de um ex-garçom mercenário.
Comparado a antecessores, Vladimir Putin é relativamente contido com os que ousam desafiá-lo. Sua lista letal tem apenas treze nomes, sendo o mais conhecido deles o do ex-vice-primeiro-ministro Boris Nemtsov. O método foi clássico – quatro tiros pelas costas – e o lugar corporificou a exemplaridade do ato: a poucos metros do Kremlin, quando saía de um restaurante.
Boris Berezovski, o oligarca que rompeu com Putin, teve o fim mais sutil: encontrado enforcado dentro de um banheiro trancado em sua mansão na Inglaterra, sem que os legistas conseguissem cravar homicídio.
Alexander Litvinienko foi o mais conhecido: uma dose letal de polônio-210 colocada no chá do ex-integrante do serviço de espionagem. O caminho dos dois agentes da FSB que fizeram a execução foi totalmente reconstituído graças aos traços deixados pelo elemento radioativo.
Muitos poloneses acreditam ardorosamente que o presidente Lech Kaczynski e toda a cúpula militar e política do país foram vítimas de uma armação de Putin para provocar a queda do avião em que deveriam chegar para um encontro conciliatório com o líder russo.
Prigozhin foi muito além das origens turvas, tendo cumprido oito anos de cadeia por assalto e depois subido no ramo da alimentação até conhecer Putin e começar a ganhar licitações para o fornecimento de refeições às Forças Armadas. Virou uma espécie de avatar de Putin para os serviços sujos, formando um exército digital e outro verdadeiro, para interferir em países do Oriente Médio e da África sem o carimbo oficial.
A guerra na Ucrânia o propeliu a outro nível, o de comandante de um exército particular que não apenas segurava frentes incrivelmente letais de combate como lhe dava amparo para criticar os comandantes convencionais. Durante vários meses, ele foi o homem mais livre da Rússia: falava o que queria e criticava todo mundo, com dedicação especial aos dois homens da cúpula da guerra, o general Valeri Gerasimov e e o ministro da Defesa, Serguei Shoigu.
É fascinante ver como o livre uso do pensamento conduziu Prigozhin a contestar até os fundamentos da própria guerra.
As críticas em que parecia ficar do lado do homem comum, do soldado livre ou ex-prisioneiro colocado em situações impossíveis pelo chefões, o tornaram popular. Saiu da cidade de Rostov, a base que havia tomado sem resistência, debaixo de aplausos da população.
Pela lógica do mundo segundo Putin, não poderia continuar vivo por muito tempo.