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A maldição da síndrome argentina

Andar em círculos sem encontrar a saída e acabar num lugar pior ainda

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 11h28 - Publicado em 10 jul 2022, 08h00

“Em que momento o Peru se ferrou?”, perguntou Mario Vargas Llosa através de seu alter ego no prodigioso Conversa no Catedral. Todo mundo sabe que ele usou um verbo mais realista. A pergunta virou um clássico não só do Peru, e das circunstâncias específicas tratadas no romance, mas de toda a América Latina. Por que não damos certo? Por que não usamos nossos tão vastos recursos para romper o ciclo do subdesenvolvimento, acabar com a pobreza mais excludente, construir sociedades funcionais em que a corrupção seja no máximo episódica e as instituições operem a favor, não contra, os cidadãos?

Entre todos nós, nenhum país estaria mais apto a dar as respostas certas para nossas dúvidas existenciais do que a Argentina, com seu passado de riquezas que, na belle époque, significava uma renda per capita igual à da Suíça. As causas do declínio argentino são tantas e tão estudadas que dariam vários livros de Vargas Llosa. A mais dolorosa é o fracasso em fazer “a transição para uma democracia apoiada no estado de direito”, segundo resumiu o economista esloveno Rok Spruk, ao comparar o país com as trajetórias da Austrália e do Canadá. “A ausência de instituições políticas de fato e de direito cria as condições para a estagnação econômica, que podem ser muito difíceis de superar independentemente da qualidade das políticas aplicadas”, resumiu ele sobre o “momento em que a Argentina se ferrou”.

“Na belle époque, seu passado de riquezas significava uma renda per capita igual à da Suíça”

Tendo se tornado dependentes de populismo, de políticas falsamente distributivas e do peronismo, o mais viciante de todos eles, os argentinos alternaram esse permanente estado de transe com experiências mais liberais, pelo voto ou pelos tanques. Como os vícios eram sistêmicos, todos terminaram em fiasco, inclusive o do promissor Mauricio Macri. Agora é a vez de Alberto Fernández afundar catastroficamente. Falta diesel, sobram impostos sobre a produção agrícola, o refúgio no dólar fica cada vez mais inacessível, a inflação dispara rumo aos 70%, a taxa de juros bateu em 52% e Cristina Kirchner quer a cabeça do homem que elegeu presidente numa bandeja de prata adornada com os ministros que vão caindo. O último deles, Martín Guzmán, da Economia, deu uma de milongueiro e anunciou a renúncia pelo Twitter no momento em que Cristina discursava, uma vingancinha derradeira.

“A Argentina tem todos os recursos naturais e humanos para ser líder na economia, mas continua refém de um grupo de autoritários, encabeçados por Cristina, que mantém o país na inflação, no atraso e na pobreza, pregando um anticapitalismo obsoleto e esgarçado”, disse Vargas Llosa. Da mesma maneira que seu personagem em Conversa no Catedral, ele foi de esquerda na juventude. Teve a coragem de fazer a transição rumo ao liberalismo clássico. O escritor cunhou o termo “hiperestatismo” para definir a síndrome que inferniza a Argentina. Ou pelo menos uma das cabeças da hidra que não conseguimos vencer e sufoca um sonho inebriante: imaginem o que seriam a Argentina e o Brasil bombando na economia, estabilizados institucionalmente, puxando a população toda para rendas mais altas, enlaçados numa dança virtuosa em que o Messi do desenvolvimento se exibe dizendo “Hoje criei 10 000 empregos” e o Neymar da educação responde: “Espera só para ver quantos engenheiros estou formando”.

Publicado em VEJA de 13 de julho de 2022, edição nº 2797

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