Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Imagem Blog

Mundialista

Por Vilma Gryzinski Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Se está no mapa, é interessante. Notícias comentadas sobre países, povos e personagens que interessam a participantes curiosos da comunidade global. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

A grande jogada da Arábia Saudita: comprar prestígio através do esporte

Mais de 300 milhões de dólares para ter Mbappé por apenas uma temporada é praticamente uma ninharia para o país onde sobra dinheiro

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 Maio 2024, 00h05 - Publicado em 25 jul 2023, 06h32

Futebol, golfe, Fórmula 1, boxe, campeonatos de hipismo — o talão de cheques metafórico dos sauditas está fervendo. Com dinheiro sobrando e gente faltando, parece até normal uma oferta como a de 330 milhões de dólares para o francês Kyllian Mbappé sair do PSG e ir jogar no Al Hilal, competindo com o rival Al Nassr, onde Cristiano Ronaldo impulsiona os fãs e a venda de camisetas, embora com vários de seus conhecidos problemas.

Não é normal. Só saindo totalmente do padrão que reina mesmo entre os mais cobiçados esportistas do mundo é possível convencer os estrelados nomes a enfrentar a vida num país em que até recentemente as mulheres não podiam dirigir nem mostrar o rosto por baixo das duas camadas de véus negros, comerciantes apanhavam de vara se não fechassem as lojas para as cinco preces diárias e a temperatura pode chegar a 52 graus.

Transformar as regras, a imagem e o futuro do reino onde o petróleo é a única, e extraordinária, fonte de renda faz parte de um projeto de ambição de impressionar até mesmo a China, a grande promotora de obras gigantescas que espelham sua ascensão a potência quase hegemônica. A diferença, obviamente, é que a China tem 1,4 bilhão de habitantes e uma fabulosa e diversificada máquina de produção. A Arábia Saudita tem 36 milhões, dos quais treze milhões são trabalhadores estrangeiros, trazidos — e vigiados — para fazer o que os mimados cidadãos sauditas consideram inferior demais.

E tem petróleo, um combustível que inevitavelmente acabará substituído por matrizes mais limpas. O ambicioso plano pós-petróleo é alimentado pelo príncipe Mohammed Bin Salman, uma mistura difícil de decifrar de visionário, reformista e monarca absolutista, capaz de promover projetos revolucionários e mandar matar e esquartejar um quase insignificante adversário político como Jamal Kashoggi, exilado que escrevia uma nada famosa coluna mensal no Washington Post.

MBS, como todo mundo o chama, é um enigma — e não esperem esclarecimentos de jornalistas como Thomas Friedman, o colunista do New York Times que faz visitas frequentes ao país e assim resumiu sua opinião sobre o príncipe: “Apenas um tolo prognosticaria o sucesso de seus planos reformistas, mas só um tolo torceria contra eles”.

Continua após a publicidade

O desejo de agradar salta aos olhos, principalmente pela má fama do príncipe.

O petróleo e geopolítica não conseguem, sozinhos, mudar essa fama, mas MBS tem um projeto de transformar tudo isso até 2030. Uma das colunas de sustentação desse projeto é uma visionária cidade no deserto, construída como uma longa linha acompanhando o contorno litorâneo com tudo o que de melhor, mais tecnológico e mais ambicioso que o dinheiro pode comprar — e a conta de 500 bilhões de dólares não é nada barata.

Bin Salman quer fazer, numa escala infinitamente maior, o que emirados vizinhos como Dubai conseguiram: atrair turistas e moradores permanentes com grandes projetos arquitetônicos e instalações onde os estrangeiros tenham uma bolha futurista que não se conecta com os princípios ultraconservadores ainda vigentes na sociedade.

Continua após a publicidade

Tem a seu favor a parcela mais jovem da população que endossa a abertura — e os que não a aprovam ficam bem quietos, possivelmente tramando uma guinada que acabaria com a festa, e talvez com a vida, do príncipe. Tem também um fundo soberano de 700 bilhões de dólares e uma coleção de multimilionários operando em total sintonia com o regime. Os times de futebol foram artificialmente criados, com dinheiro do fundo soberano.

É desses recursos que saem as verbas para comprar o passe de jogadores como Cristiano Ronaldo, Sergio Ramos, Karim Benzema e talvez, agora, Mbappé. Messi preferiu um ambiente muito mais ameno e por isso foi para Miami, jogar no Inter, caminhando para o encerramento da carreira com uma quantia que pode chegar a 150 milhões de dólares.

É bem menos do que receberia da Arábia Saudita, mas entre South Beach e Riad, realmente, não há o que discutir. Sem contar que o novo time de Messi tem como um dos sócios David Beckham — bem melhor, para a imagem, do que sauditas de camisolão branco e passado obscuro.

Continua após a publicidade

Do ponto de vista dos americanos, o grande lance esportivo dos sauditas foi comprar os três campeonatos de golfe do país de uma vez só, com o objetivo de unificá-los. Provocou uma espécie de choque nacional. Como um esporte venerado, e praticado por pessoas de todas as classes sociais, ao contrário dos países onde é coisa de rico, pode ser literalmente dominado por sauditas?

Em escala menor, o mesmo choque foi sentido na Inglaterra quando o fundo saudita comprou o Newscastle, em 2021.

Árabes multimilionários no mundo do futebol já são um fato comum — o próprio PSG hoje é do fundo manejado pelo emir do Catar —, mas o príncipe Bin Salman quer se tornar não apenas um investidor, mas um player, um influenciador e manipulador. Os métodos usados pelo Catar para conseguir a Copa do Mundo são brincadeira de amadores perto do que MBS pode fazer.

Continua após a publicidade

A seu favor, ele tem as mudanças geopolíticas nas quais está se tornando um jogador atilado, vendo nelas as chances de libertar a Arábia Saudita da total dependência do guarda-chuva de segurança provido pelos Estados Unidos. Pelos ricos campos de petróleo do reino do deserto, os Estados Unidos foram à guerra com o Iraque, em 1991. Não podiam permitir que Saddam Hussein, tendo engolido o Kuwait com facilidade e voracidade, ameaçasse também as reservas sauditas.

Bin Salman está chacoalhando as bases desse mundo. Aproximou-se da China e da Rússia e, dramaticamente, normalizou relações com o Irã, a teocracia xiita com a qual os sauditas viveram anos de conflito, inclusive com uma guerra terceirizada, a do Iêmen.

É possível abominar abusos hediondos como a morte de Khashoggi e reconhecer o tamanho e a importância das ambições de Bin Salman para seu país? É possível entender que um único jogador, como seria o caso de Mbappé, tenha um valor de 330 milhões de dólares — 70 a mais do que foi pago por Neymar?

Continua após a publicidade

A disputa entre “primos”, o emir do Catar e o poderoso príncipe saudita, esquenta mais a briga. Outros times estão interessados do fabuloso francês: Manchester United, Chelsea e Tottenham. Mbappé tem a seu favor, fora a excepcional habilidade e os 24 anos, um trunfo imbatível: a mãe, Achraf Hakimi, uma empresária de futebol de origem argelina com fama de implacável.

Não é novidade o uso do futebol como arma geopolítica, um instrumento poderoso de soft power. Mohammed Bin Salman está virando um atleta do gênero.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.