A falácia da discussão sobre armas no caso de Orlando
O terrorista era guarda de segurança, tinha porte permitido e virou radical sob influência do extremismo muçulmano

É justo e necessário, como em qualquer democracia, que a grande discussão sobre posse e porte de armas nos Estados Unidos fique mais aguda quando adolescentes desequilibrados têm surtos e matam colegas de escola. Quando a maioria da sociedade americana decidir que quer trocar ou abrandar o direito constitucional dos cidadãos a ter armas, novas leis de controle serão aprovadas. Isso já acontece em vários estados.
É tolo e mal intencionado usar o massacre na boate gay de Orlando praticado por Omar Mateen, aparentemente um terrorista solitário, embora identificado com a ideologia político-religiosa do Estado Islâmico, como argumento em favor de mais controle sobre a venda de armamentos, em especial fuzis semi-automáticos.
Em primeiro lugar, essa discussão serve para obscurecer a grave falha do FBI. Como a patética polícia belga, que até e-mail para o endereço errado mandou durante os atentados de 22 de abril em Bruxelas, o FBI deixou Mateen escapar da rede. Depois de interrogá-lo duas vezes, em 2013 e 2014, aparentemente por declarações extremistas, a polícia federal o tirou do radar. Agora, alega que ele era um entre “centenas” de simpatizantes do Estado Islâmico que são monitorados nos Estados Unidos. Muito tranquilizante.
O mesmo erro foi cometido no caso dos irmãos Tsarnaev, autores do atentado da maratona de Boston, em 15 de abril de 2013. Eles também foram interrogados e até o serviço de inteligência russo avisou que andavam com extremistas muçulmanos em visitas ao Daguestão. Com bombas de quintal, feitas com explosivos e panelas de pressão, eles mataram três pessoas que assistiam a maratona e deceparam as pernas de 14, entre outros ferimentos.
Se tivessem acesso a armas poderosas, certamente causariam mais vítimas. Mas também é preciso considerar que seria mais difícil circular com fuzis, em lugar de mochilas carregadas, numa área pública toda monitorada. O que nos leva de volta a Mateen. Como ele entrou na boate Pulse com duas armas?
Em primeiro lugar, Mateen tinha duas licenças para andar armado – na Flórida, só é permitido o porte de armas, fora de casa, em lugares visíveis. Mateen era vigilante contratado desde 2007 pela G4S, a maior empresa de segurança do mundo, que opera em mais de 100 países, inclusive o Brasil.
A G4S nasceu de uma empresa tradicional no ramo da Dinamarca comprada por um grupo britânico. Tem dois braços, um que faz transporte e todas as demais operações envolvendo dinheiro, e o de segurança de políticos e instituições públicas e privadas. Nessa lista, entra tudo, desde prédios de governos até prisões e asilos, como parece que era o caso do terrorista da Flórida.
Contratada para fazer a segurança da Olimpíada de Londres, a G4S admitiu ter cometido erros que exigiram a convocação de tropas do Exército para reforçar o esquema. Como é natural, empresas do tipo atraem ex-militares e ex-policiais e são altamente especializadas em segurança eletrônica. Mateen, portanto, passou imune pelos filtros do FBI e da maior empresa desse tipo do mundo.
Usar o massacre de Orlando como pretexto para defender o controle de armas, como fizeram Barack Obama e Hillary Clinton, é uma manipulação política indevida. Da mesma forma que foi errado além de moralmente condenável, Donald Trump tentar faturar mais pontos ao proclamar como estava certo em suas advertências sobre o perigo do terrorismo islâmico.
Tampouco é intelectualmente honesto colocar a matança ancorada numa ideologia extremista de natureza político-religiosa na categoria geral de ”ódio” aos homossexuais. Não existe lei no mundo que possa exigir que gays, negros, azuis, suecos ou marcianos sejam benquistos. Nos países democráticos, existem leis que proíbem a discriminação e punem atos de violência. Quem quiser detestar qualquer categoria humana, pode espumar de raiva.
Ainda há muito a ser escavado sobre Omar Mateen. Inclusive a bizarra história de seu pai, Seddique Mateen, que fazia um programa num canal de televisão da Califórnia dirigido a afegãos nos Estados Unidos. Mateen pai exalta o Talibã e a unidade entre os pashtuns, a etnia predominante no Afeganistão, com “nossos irmãos” do Paquistão. Os programas eram tão malucos que em determinados momentos parecem quadros humorísticos. Entre outras coisas, ele “manda” as forças de segurança afegãs prender todos os principais políticos do país.
Estranhamente, o pai, que já havia contado da “raiva” do filho ao ver dois homens se beijando, não fala em pashto, a língua da etnia dominante entre os talibãs. Historicamente, os pashtuns praticam a pederastia institucionalizada. Meninos pré-adolescentes ou adolescentes são usados para entretê-los como dançarinos e sexualmente abusados. A história mais conhecida do tipo foi contada no livro O Caçador de Pipas.
Quando chegaram ao Afeganistão, depois de colocar os talibãs em fuga por continuarem a abrigar Osama Bin Laden, muitos militares americanos ficaram chocados com os atos de pedofilia que testemunhavam, praticados pelos afegãos aos quais deviam ajudar e treinar. Foram aconselhados a não interferir na “cultura” local.
Omar Mateen batia na mulher e a manteve longe da família até ela conseguir fugir e pedir o divórcio. Seu testemunho: o ex-marido sofria de evidente desequilíbrio mental. Como em outros casos, ele defendia posições religiosas extremistas, às quais aderiu aparentemente via doutrinação pela internet. Passou imune pelo crivo do FBI.
Dizer que a culpa é da permissividade na venda de armas e que isso “não tem nada a ver com religião”, como se reconhecer isso implicasse em condenação coletiva a todos os muçulmanos, é uma tolice que não ajuda em nada a entender como enfrentar os próximos e inevitáveis atentados. Muitos americanos não parecem acreditar que abrir mão das armas legais seja um bom jeito de fazer isso.