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(Sem título. Sobre ‘Cem Anos de Solidão’)

Em Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez (Prêmio Nobel de Literatura – 1982) constrói uma perturbadora descrição da realidade por meio de elementos arquetípicos e alegóricos. A deformação do tempo cronológico, definido pelos 100 anos de saga do clã Buendía-Iguarán, desdobra-se desde a imagem do fundador da família, atado ao tronco de um castanheiro […]

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 14h30 - Publicado em 18 ago 2010, 20h23

Em Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez (Prêmio Nobel de Literatura – 1982) constrói uma perturbadora descrição da realidade por meio de elementos arquetípicos e alegóricos. A deformação do tempo cronológico, definido pelos 100 anos de saga do clã Buendía-Iguarán, desdobra-se desde a imagem do fundador da família, atado ao tronco de um castanheiro nos fundos do quintal, até o ultimo da estirpe, na sexta geração, ser conduzido de rastos pelas formigas. O primeiro, preso numa árvore simplesmente porque é perigosamente louco ou bastante lúcido para tornar-se referência na memória de um povoado, é o paradigma estrutural da obra.

O povoado é Macondo, fictício, isolado e arcaico desde sua construção, onde “as coisas não possuíam nomes e, para se referir a elas, era necessário apontá-las com o dedo”.

A estranha naturalidade do enredo, ora recuando a acontecimentos longínquos, ora prevendo futuras tragédias, faz Macondo e seus prodigiosos personagens parecerem mais que verdadeiros.

Enquanto José Arcadio, patriarca da linhagem Buendía, sonha com cidades de paredes espelhadas, uma lenta, vagarosa e demorada chuva apodrece tudo. As pessoas padecem de insônia e perdem a memória; mulheres trancam-se numa casa às escuras. Úrsula Iguarán, a matriarca, contempla aterrorizada e apática a solidão que penetra as dramáticas alternâncias da existência. Úrsula está certa de que Macondo perpetua-se por causa de experiências anteriores e de incontáveis outras que virão no futuro. “O mundo dá voltas” – ela diz – sem nada de novo. Só fatalidade, a mesma sucessão de paixões, magia, loucura, o fascínio e o medo do incesto, a sabedoria, os fantasmas e os ciúmes.

A onipresente transmutação das coisas começa quando Macondo é convulsionada pela chegada de ciganos trazendo novidades e invenções. Entre eles está Malquíades, uma espécie de Mago Merlin nômade, negociante esperto, alquimista e detentor de misteriosas escrituras em sânscrito. Ao mesmo tempo, o ambiente dos Buendía-Iguarán altera-se com o aparecimento da raquítica Rebeca, muda e rebelde comedora de terra.

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A inadequação dos membros da família em presença desses fatos obsedia Aureliano Buendía mergulhando-o na repetitiva manufatura de peixinhos de ouro.

Em meio a tudo isso, aparece Mauricio Babilonia, um mecânico constantemente acompanhado por borboletas amarelas, transitando por Macondo e entre seus habitantes. Essa figura corrobora a ideia da inspiração literária cíclica, ou seja, o fato de que todo autor reescreve sempre um mesmo livro. E García Márquez dizia que o seu era “o livro da solidão”. Esse eterno retorno tem direção para o centro fazendo-nos conhecer as contradições de homens truculentos. Tem ainda um sentido de interioridade que nos conduz à intimidade de mulheres inesquecíveis: a voadora Remedios, a bela, não pertencente a esse mundo e que, graças à permanência de um hálito perfumado, foi mantida salva de quaisquer contágios, mesmo os do amor. O autor guia-nos ao âmago de Petra Cotes com suas rifas insistentes, transporta-nos ao louco coração repetitivo de Pilar Ternera.

García Márquez percorre com segurança o intrincado labirinto genealógico dos Buendía-Iguarán detendo-se em profundidade diante de cada espelho onde se refletem mulheres obcecadas pelas mesmas paixões e homens batizados com os mesmos nomes. Os Arcadios sempre impetuosos; os Aurelianos sossegados ou fechados em devaneios.

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Macondo é mais que ficção ou magia: é o retrato do isolamento de uma América Latina entranhada na impossibilidade e devotada à resignação. García Márquez imortalizou em Macondo as narrativas de seu avô, veterano de muitas batalhas, testemunha da matança “das bananeiras” ocorrida em Aracataca, sua cidade natal. A história da Colômbia ficara marcada dessa carnificina com mais de três mil mortos. Uma cicatriz indelével análoga às cruzes de cinzas traçadas nas testas dos 17 Aurelianos filhos do coronel Buendía. São impressões duradouras – ofensas e dores morais que evoluem para uma conquista – pois, como diz José Arcadio, “a gente não é de um lugar enquanto não tem um morto enterrado nele”.

A partir de sua publicação em Buenos Aires, no ano de 1967, o livro vendeu milhões de exemplares em todo o mundo. Pablo Neruda considerava Cem Anos de Solidão o melhor livro em espanhol já escrito desde o Dom Quixote. O certo é que ninguém permanece o mesmo após o contato com Cem Anos de Solidão, marco decisivo na vida de quem gosta de ler.

José Maurício Guimarães

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