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Paulista acolhe a poesia concreta de Haroldo de Campos

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Por Renata Megale
Atualizado em 13 ago 2018, 22h52 - Publicado em 27 fev 2011, 09h39

Frederico Barbosa interrompeu um compromisso na agenda para receber a reportagem de VEJA na Casa das Rosas, em São Paulo. Ali, o poeta e professor de literatura, que é também diretor da instituição, iniciaria uma visita guiada por H Láxia, exposição em homenagem ao concretista Haroldo de Campos da qual é um dos curadores. Com um figurino que lhe é pouco familiar – terno e gravata herdados da reunião anterior -, Barbosa traçou um roteiro pela mostra, que se estende ao Itaú Cultural, na mesma avenida Paulista, em São Paulo, e lembrou a pertinência de ter um pé do projeto na Casa das Rosas, lugar que conserva o acervo do “mais barroco dos concretos”. E que dá agora vitrine a 300 poemas do autor, um destaque raro no meio.

Um gole de água para rebater o calor paulistano e Frederico Barbosa segue para o hall do antigo casarão da Paulista. A primeira obra no caminho é a reprodução do poema Servidão de Passagem, dividida em triângulos de concreto entre a entrada do centro cultural e o café Haroldo de Campos, já dentro da Casa das Rosas. “nomeio o nome / nomeio o homem/ no meio a fome”, diz um trecho do poema, assim mesmo, em caixa baixa. “poesia em tempo de fome/ fome em tempo de poesia / poesia em lugar do homem/ pronome em lugar do nome / homem em lugar de poesia/ nome em lugar do pronome.” Barbosa destacou o paradoxo da instalação, que, apesar do suporte concreto da pedra, expõe uma das poesias mais abstratas de Campos. “Estamos estudando a viabilidade dessa obra continuar aqui, mesmo após o término da exposição”, conta.

A exposição sobre a vida e a obra de Haroldo de Campos foi inaugurada em 17 de fevereiro e faz parte da série Ocupação, um projeto do Itaú Cultural que tem por objetivo proporcionar encontros entre as novas gerações e alguns dos principais nomes da literatura. A primeira edição aconteceu em 2009 e teve como foco a obra do curitibano Paulo Leminski. Haroldo de Campos, o homenageado deste ano, é outro nome fundamental da poesia brasileira, expoente do movimento concreto que ganhou corpo nas décadas de 1950 e 60, ao lado do irmão Augusto e do paulista Décio Pignatari, além de responsável por verter para o português do Brasil textos de clássicos como Joyce, Dante e Homero.

No saguão interno, há uma sala escura, onde, escrito e reescrito em tinta branca sobre fundos pretos, o poema âmago do ômega (vide ao lado) é iluminado em suas diferentes versões por uma luz negra. A técnica de exposição, usada por poucos na época, deixava trechos com falhas. “A Carmem, esposa do Haroldo de Campos, me contou que corrigiu com esmalte de unha algumas falhas que fatalmente aconteciam”, diz Barbosa. Na sala contígua, é possível penetrar a vida pessoal do poeta por meio de fotografias cedidas pela viúva do escritor. “Não foi fácil convencer Carmem a nos ceder isso, mas, como eu conheço a família desde pequeno por causa dos meus pais, a fui convencendo aos poucos. Montar esta exposição me deu saudade dele e de meu pai, consequentemente.” Barbosa é filho do também poeta João Alexandre Barbosa, amigo pessoal de Haroldo de Campos.

Para quem planeja visitar exposição, um bom roteiro é este aqui sugerido: começar pela Casa das Rosas e explorar um pouco do universo de Haroldo de Campos — não deixando de visitar o extenso acervo do escritor, que se encontra no subsolo do centro cultural. Daí, passar ao Itaú Cultural. Os dois imóveis são próximos. Ao seguir a pé pela ruidosa avenida Paulista, o visitante já se dará conta de que a exposição vai mudar radicalmente. O prédio moderno do Itaú Cultural, seu ar condicionado e os artifícios tecnológicos ali utilizados servem de símbolo para a modernidade e o alcance da obra de Haroldo de Campos, ao mesmo tempo em que contrastam com seu universo particular de criação, recriado na aconchegante Casa das Rosas.

H Láxia
, obra que dá nome à exposição, chama a atenção do visitante do Itaú Cultural, onde Haroldo de Campos ocupa o nível térreo. Concebido por Lívio Tragtenberg — também curador da mostra, ao lado de Barbosa, Gênese de Andrade e Marcelo Tápia —, o túnel branco reúne projeções em espelhos e permite que a voz dos passantes seja reproduzida por um áudio quase perturbador. Um caos capaz de explorar diferentes sentidos – como a boa poesia concreta.

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No final do túnel, o visitante encontra o tradutor Haroldo de Campos – uma das facetas de um intelectual que colaborou para o enriquecimento nacional do país. Manuscritos e rabiscos feitos a caneta retratam seu modo de trabalho e os recursos utilizados no período em que passou para o português, com cuidado de amante das letras, os grandes clássicos da literatura universal. Em fones de ouvido, pode-se ouvir o poema Circulado de Fulô, musicado por Caetano Veloso ou recitado pelo próprio autor.

“circuladô de fulô ao deus ao demodará que deus te guie / porque eu não posso guiá e viva quem já me deu circuladô / de fulô e ainda quem falta me dá / soando como um shamisen e feito apenas com um arame / tenso um cabo e uma lata velha num fim de festafeira no /pino do sol a pino mas para outros não existia aquela música não podia porque não podia popular aquela música se não / canta não é popular se não afina não tintina não tarantina / e no entanto puxada na tripa da miséria na tripa tensa da mais megera miséria física / e doendo doendo como um prego na palma da mão um ferrugem prego cego na palma espalma da mão coração exposto como um nervo tenso retenso um renegro prego cego durando na palma polpa da mão ao sol.”

A impressão é mesmo de submersão no ambiente e na intimidade de um dos grandes poetas brasileiros. Não à toa, a generosidade é uma das palavras que mais aparecem na seção da mostra, em que figuras importantes do cenário cultural descrevem Haroldo de Campos. Um homem que ajudou a forrar de letras as prateleiras nacionais.
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Serviço Itaú Cultural: de terça a sexta, das 9h as 20h. Sábado, domingo e feriado, das 11h às 20h. Na av. Paulista, 149 Telefone : (11) 2168-1777. Casa das Rosas: segunda a sábado, das 10h às 22h. Domingo e feriado, das 10h às 18h. Telefone: (11) 3285-6986

 

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