Sua fama se deve aos livros sobre vampiros. Mas, atualmente, Anne Rice se dedica a outros seres fantásticos. Ela tem na gaveta um livro sobre lobisomens e está concluindo uma trilogia sobre anjos, seres que, além de representar o novo filão do mercado literário, são de certo modo mais desafiadores para ela. “Como criar uma pessoa perfeitamente boa? É um grande desafio para um escritor. Especialmente porque as pessoas gostam de ver combates e não de situações calmas e bem resolvidas.” Quanto ao lobisomem, Anne tece outras teorias. “O lobisomem, quando se transforma, assume grande poder e tem de aprender a lidar com isso.” Para cada universo, uma cosmologia.
Durante sua passagem pelo Brasil para participar da Bienal do Livro do Rio, na última quarta-feira, a escritora promoveu o recém-lançado De Amor e Maldade, o segundo tomo da sua trilogia angelical. No próximo ano, Anne Rice põe no mercado seu livro sobre lobisomem. A seguir, a entrevista que a escritora concedeu ao blog VEJA Meus Livros.
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Qual é a diferença entre escrever sobre vampiros e anjos? Os vampiros são criaturas trágicas, sempre envoltas na escuridão e em luta contra a dor que sentem. Em relação aos anjos, há sempre um clima leve. Afinal, eles são seres que vêm de Deus, que transmitem otimismo e a crença num futuro melhor. Nos meus próximos livros, eu gostaria de falar um pouco sobre como os anjos se posicionam perante os seres humanos, como eles podem ser tão bons. Isso é um grande desafio para um escritor. Como criar uma pessoa perfeitamente boa? É verdade que os vampiros são mais interessantes do que os personagens bondosos. E estou lidando com essa diferença neste momento. Eu quase tenho do que me arrepender. Sei que essa série será tão atraente quanto a dos vampiros, mas não está sendo fácil.
Os vampiros são mais próximos dos homens por serem criaturas falíveis? Sim, pelo fato de homens e vampiros estarem tentando corrigir seus erros. Os vampiros, porém, vivem a tragédia de beber sangue para continuar vivos. São obrigados a matar para sobreviver. Mas o que você faria se tivesse a chance de viver para sempre? É quase irresistível. Eu, provavelmente, me renderia a essa tentação, também. A imortalidade é um sonho.
Você acredita que seus leitores e a sociedade em geral estão preparados para entender personagens perfeitos como os anjos? É provável que os leitores se identifiquem menos com os personagens Toby e Darren, que são seres humanos, do que com o anjo – que, apesar de ter cometido erros no passado, agora se confronta com a sua perfeição. Essa é a coisa mais importante do livro. Não acho possível escrever um livro apenas sobre anjos, como fiz com os vampiros. Se escrever sobre anjos, inevitavelmente irei humanizá-los. Eles terão defeitos e desejos, o que não faz parte da vida de um anjo. Mas no terceiro livro eu quero falar mais sobre como é possível ser tão perfeitamente bom. É muito chato ser bom o tempo todo.
Há uma mensagem por trás de todo esse questionamento? Sim. Nós sofremos a cada minuto da vida para sermos pessoas melhores. E a vida em si é tão linda, tão interessante e atraente que, muitas vezes, nos perdemos nela. Esquecemos de que estamos aqui apenas para amar, aprender e servir. É disso que trato em todos os meus livros, sejam de vampiros ou de anjos: como atravessamos o oceano da vida? Questões cósmicas sobre a existência ou não existência de Deus ou do demônio povoam minha mente a todo tempo e eu tento colocá-las nos meus livros, por isso meus personagens fazem essas mesmas perguntas.
A senhora conseguiu alguma resposta após esses anos todos como escritora? A única conclusão a que cheguei até agora é que temos que nos esforçar para realizar o impossível, para sermos bondosos o tempo todo. Os vampiros também enfrentam isso e são heróis trágicos por saberem, no fundo, que o bem compensa.
Acredita que os anjos vão se tornar tão populares quanto os vampiros na literatura atual? Acho que os anjos já são bem populares. Há muitos livros sobre o tema e inclusive relatos de pessoas que dizem já os terem visto. Mas não acredito que chegue ao nível de popularidade dos vampiros, justamente porque não compartilham a escuridão inerente à natureza humana e, por isso, podem ser menos interessantes.
As pessoas preferem olhar para esse lado do mal dos vampiros? Acho que as pessoas gostam de ver combates e não de situações calmas e bem resolvidas.
Você é muito atuante em mídias sociais. O contato com os fãs influencia seu trabalho de alguma maneira? Eu amo o Facebook. Entro em contato com meus leitores todos os dias. Eu vejo isso como uma pausa no ofício de escrever. Acabei de terminar um livro sobre lobisomens. Através do Facebook, fiz uma série de perguntas aos leitores: o que vocês acham das histórias de lobisomem? O que falta? Recebi mais de 500 respostas, talvez mil, e adoro esse retorno.
Já falamos sobre vampiros e anjos. O que o lobisomem representa para você? Todos esses personagens vivem deslocados do resto da sociedade. Eles parecem humanos, mas não são. De certa forma, eles estão envolvidos com a raça humana, mas não fazem parte dela. Os lobisomens são diferentes dos vampiros, mas muito semelhantes ao mesmo tempo, por que ambos se transformam em outras criaturas, têm um tremendo poder de destruição e tentam controlar esse poder. No livro, eu também falo sobre as vantagens que eles podem tirar disso tudo.
Você vê mudanças na sua maneira de escrever ao longo desses anos? Sim. Eu tinha uma visão muito pessimista da vida quando comecei a escrever. Entrevista com o Vampiro é um livro muito sombrio que, basicamente, passa a mensagem que viver não vale a pena. Eu não acredito mais nisso. Uso meus personagens sobrenaturais para falar o que penso. Acredito que as pessoas são heroínas de suas próprias vidas.
O que contribuiu para essa mudança? Vivi algumas tragédias e perdas. Perdi uma filha (sua primeira filha, Michele, morreu de leucemia aos seis anos, em 1972) e recentemente o meu marido e o que aprendi a partir disso me tornou uma pessoa mais paciente e amável. Não que a dor tenha feito de mim uma pessoa mais sensível. Isso não ocorreu, o que é um grande desperdício a meu ver. Na verdade, o sofrimento, quando cessa de doer, é como um milagre. A vida volta a se movimentar de novo, o céu continua azul, e aí se tem a mensagem de que a vida continua a se renovar. Acho que a dor deve abrir o coração das pessoas. Espero transmitir isso através dos meus livros.
Qual o motivo para a literatura fantástica estar cada vez mais na moda? Eu vejo como um interesse gradual. As pessoas se cansaram de literatura realista. Durante muito tempo, um livro não era considerado sério se não tratasse do cotidiano da classe média americana e seus conflitos. Até quando os leitores aguentariam ler somente sobre isso? Daí se cria a voracidade pela fantasia entre os leitores. Personagens como vampiros, bruxas e lobisomens são expressões do ser humano.
Mariana Zylberkan