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Marian Keyes para além de ‘Melancia’: depressão, aborto e alcoolismo

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 21h57 - Publicado em 2 set 2016, 09h08

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Mabi de Barros

Quem lê os livros de Marian Keyes — best-sellers como SushiMelancia, que sozinho vendeu 500.000 exemplares no Brasil — sabe que ela não faz apenas a linha mulherzinha. Apesar de graciosos, os livros dessa que foi a expoente do gênero chick-lit trazem temas pesados, como traição e instabilidade mental. O que muitos leitores não sabem é que Marian, à parte o jeito leve e o humor preciso, é um poço de temas obscuros, que pautam, embora por meio de um belo filtro, os seus livros. “Dizem ‘escreva sobre o que você conhece’. Quando comecei a escrever, eu tinha acabado de sair de uma reabilitação por alcoolismo. Quanto à depressão, sofri dela desde minha infância”, diz a escritora. A irlandesa, que soma 30 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo, aborda os temas complicados das mais diferentes formas — todas adocicadas, em especial aquela que se vê em Salva pelos Bolos, livro que lançou em sua passagem pela Bienal do Livro de São Pulo. Reunião de receitas de cupcakes e outros doces que fez enquanto lutava contra uma depressão severa, o volume sai no país pela Bertrand Brasil, que lança também A Mulher que Roubou Minha Vida, seu último romance.

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Foi sobre os lançamentos, mas também sobre doença, aborto e violência doméstica que Marian Keyes falou a VEJA Meus Livros. Leia abaixo:

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Essa é sua segunda vez no Brasil, a primeira a trabalho. O que você fez aqui na primeira visita? Eu fui ao Carnaval do Rio de Janeiro. Fiz todos os passeios turísticos, me diverti muito! Fui também à Floresta Amazônica, Manaus. Eu amei e quero muito voltar. Dessa vez, vou ao Pantanal. Já planejo minha próxima visita ao país: a costa do Nordeste. Eu amo muito o Brasil, é muito diversificado e cheio de pessoas interessantes.

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Você escreve muito sobre doenças comuns hoje em dia, como depressão e alcoolismo. Por quê? Dizem “Escreva sobre o que você conhece”. Quando comecei a escrever, eu tinha acabado de sair da reabilitação por alcoolismo, era parte do meu “eu”. Quanto à depressão, eu sofri dela desde minha infância, entre idas e vindas. Essa doença é parte da experiência humana, mas não é muito comentada. No momento em que eu comecei a escrever sobre ela, as pessoas responderam positivamente. Senti que quanto mais aberta e honesta eu fosse sobre isso, mais as pessoas eram abertas e honestas comigo. Eu uso humor para abordar o tema, o que acredito que deixa as pessoas mais confortáveis para ler, como se não as fosse fazer se sentir mal com isso. Minha intenção é fazer as pessoas rirem, para depois refletirem. Acho que herdei isso da minha mãe. Ela também teve depressão, ao mesmo tempo em que era bem humorada. Ela é boa em expressar seus sentimentos com humor. Em minha opinião, rir é tão humano quanto chorar. O riso é um recurso disponível para tratar sobre vários temas, inclusive a depressão. Eu amo rir e fazer o mesmo aos outros.

Como você descobriu a depressão? Foi muito repentino. Tudo começou a acelerar, eu estava cada vez mais ansiosa e as coisas pareciam mais feias. Eu percebi muito rápido que estava num estado de mente perigoso, mesmo sem saber o que tinha acontecido, eu ainda não sei. Fui a um hospital psiquiátrico, porque não conseguia dormir, comer ou olhar as pessoas nos olhos, elas me assustavam. Foi muito intenso. Me deram milhões de antidepressivos, eu não sei se algum deles me ajudou. Foi assim pelos quatro anos e meio seguintes, não melhorava. No começo de 2014, eu senti como se estivesse saindo do fundo do oceano. Foi fabuloso. Eu apenas voltei a mim. Olho sempre para aquele tempo a fim de descobrir o que aconteceu, porque não quero passar por aquilo nunca mais, mas não tenho respostas. Eu tinha em mente que o importante foi saber que eu tinha que ficar viva, pois em algum momento as coisas iam ficar bem. Então, eu tinha que ficar viva e não beber. Esses eram meus dois desafios. Naquele tempo, eu fazia muitos bolos e tentava ficar bastante com a minha família, mas eu tive que interromper todo o meu trabalho. Foi bastante difícil porque sou uma trabalhadora voraz. Agora, está tudo melhor, todos os dias eu acordo e digo “Urru, eu não estou triste!”.

Como você descobriu que cozinhar ajudava a curar a depressão? É engraçado porque eu não era uma fã de cozinha. Nesta fase, eu não conseguia me concentrar nem para ler revistas, no final de uma frase eu já havia esquecido o começo. Um dia, minha amiga Helen foi me visitar e eu disse, “Vou te fazer um bolo”. Não sei por que eu disse isso, mas foi a porta para um novo porto seguro. Depois de assar o primeiro bolo, eu só queria fazer mais e mais. Distribuía bolos pela vizinhança, para minha família. As pessoas deviam pensar quando eu aparecia em suas portas: “Lá vem ela com mais bolos”. Eu também amo as decorações, penso nos meus bolos como pinturas. Tem algo mágico nos bolos. O açúcar, a manteiga e todos aqueles ingredientes estranhos não lembram em nada um bolo, mas se transformam em um. Os únicos momentos em que eu ficava calma eram quando cozinhava. Me ajudou quando nada mais era capaz. Eu tentei de tudo para melhorar – meditar, comer comidas azuis, tudo o que as pessoas me sugeriam para eu não me sentir do jeito em que me sentia. Sou muito agradecida pelo que os bolos fizeram por mim, mas hoje eu não cozinho mais, me lembra daquele período sombrio.

Naquele momento, cozinhar a fez sentir melhor do que escrever? Sim. Eu não conseguia formar frases na minha cabeça. Algumas pessoas dizem que jardinagem as ajuda a lidar com a depressão, por manter o corpo trabalhando, enquanto a mente está quebrada. No meu caso, foi assar bolos.

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Você se sente segura hoje ou a depressão sempre pode voltar? Eu acho que sempre pode voltar. Mas, apesar de me sentir tão bem agora, passei a tomar mais cuidado comigo mesma. Talvez eu estivesse trabalhando demais, não conseguia dizer “não” a nenhuma proposta. Depois de tudo o que passei, defini melhor os meus limites. Por exemplo, eu não fico mais acordada depois das 22h. Também costumava ir a jogos de futebol americano, mas hoje não vou mais, não consigo aguentar as multidões. São coisas que eu faço para me manter segura. Trabalhar me ajuda muito, escrever me faz bem, mas eu tenho um acordo comigo mesma: todos os dias eu vou trabalhar um pouco, mas não muito. Tenho que ter um tempo na semana para ver TV, ler e encontrar a minha família — que é enorme, somos em dezessete e eu os amo, pois eles me fazem sentir segura.

Como seu marido lidou com seu problema? Meu marido foi incrível. Nenhum de nós sabia o que estava acontecendo. Eu me sinto muito culpada por tudo que o fiz passar. Mas, a partir disso tudo, nós aprendemos a ter vidas separadas. Antes fazíamos tudo juntos, trabalho ou lazer. Então eu descobri os bolos e ele, a escalar montanhas. Claro que ainda passamos muito tempo juntos, ele é o melhor homem do mundo e fez muito por mim. Nossa relação está melhor agora do que nunca. De volta a 2009, muito rápido nós percebemos que eu não conseguiria fazer nenhuma das turnês planejadas pelos Estados Unidos. Ele logo desmarcou todas, e eu sou muito agradecida por ele ter feito isso, porque acho que eu teria tentado seguir viagem e isso só faria pior para mim.

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Existe alguma experiência sua ou de alguém próximo que inspirou a trágica vida romântica de Claire Walsh? Engraçado, não. Dizem que todo primeiro livro é autobiográfico. No caso de Melancia, os traços biográficos estão na Família Walsh — muito parecida com a Família Keyes. Exceto que nós somos dois homens e três mulheres, não cinco mulheres.

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Seus irmãos estão retratados no livro? Não, mas a energia de uma grande família.

Sushi é sobre três mulheres infelizes com o curso de suas vidas. Você estava infeliz no momento em que escreveu o livro? Eu não estava infeliz quando escrevi Sushi, mas tinha muito viva a consciência de que o mundo é difícil para as mulheres. É difícil para as mulheres encontrarem um homem maduro o suficiente para se comprometer com elas. Eu escrevi Sushi pelo ponto de vista das minhas amigas, irmãs. Acho que a vida é mais difícil para as mulheres do que para os homens e eu queria escrever sobre como é ser mulher neste mundo. Temos liberdade em vários quesitos, mas outros vão ser sempre confusos, difíceis e dolorosos para nós.

Você é muito sensível a questões ligadas à violência contra a mulher. Você tem alguma ligação pessoal com o tema? Já foi vítima? Não, felizmente eu nunca fui vítima. Mais uma vez, é tudo parte de como eu vejo ser mulher. Eu acho a violência doméstica uma tragédia, um crime. Se homens agridem um ao ou outro, é um crime. Mas, na Irlanda, se um homem agride sua esposa ou namorada, é uma “questão doméstica”. A polícia não interfere, é um assunto a ser tratado entre eles. Eu não sei exatamente o que me impulsionou a escrever sobre violência doméstica, mas eu queria esclarecer que homens bonitos, charmosos e queridos também podem ser agressores. Se fosse o contrário, mulheres batendo em homens seria uma abordagem completamente diferente por parte da lei.

Você é a favor do aborto? Eu sou a favor da escolha. Na Irlanda, temos muita atividade a favor da legalização do aborto, proibido até em caso de estupro ou má-formação do feto. O aborto, em si, é um assunto que envolve muita dor, é uma escolha que ninguém quer fazer, mas que devemos confiar às mulheres. Não é uma decisão que qualquer uma ficaria feliz de tomar. Mas a vida acontece, os métodos de contracepção falham, coisas dão errado e muitas vezes só não é possível trazer uma criança ao mundo. Nesses casos, as mulheres são as únicas capazes de julgar o que acontece com seus corpos. Essa é minha posição. Se a pessoa não é a favor do aborto, ela não precisa fazer um.

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