Livro ‘O Planeta dos Macacos’ é experiência além dos filmes
Cena do filme ‘O Planeta dos Macacos’, de 1968 Por Raquel Carneiro Continua após a publicidade Antes do lançamento do filme O Planeta dos Macacos, o criador da história, Pierre Boulle, estava preocupado. Afinal, corria o ano de 1968 e os efeitos especiais não chegavam aos pés do que se vê atualmente na tela. “Havia a possibilidade […]

Por Raquel Carneiro
Antes do lançamento do filme O Planeta dos Macacos, o criador da história, Pierre Boulle, estava preocupado. Afinal, corria o ano de 1968 e os efeitos especiais não chegavam aos pés do que se vê atualmente na tela. “Havia a possibilidade de parecer ridículo. Mas, quando vi o filme pela primeira vez, a preocupação se dissipou”, disse o engenheiro e escritor francês em entrevista à revista Cinefantastique, em 1972. O texto é um dos extras da nova edição do livro O Planeta dos Macacos, que estava fora de catálogo e retorna às prateleiras no Brasil nesta quarta-feira, pela editora Aleph. Um posfácio assinado pelo roteirista Bráulio Tavares e um ensaio jornalístico da BBC News completam as novidades da edição.
Na entrevista à Cinefantastique, Boulle parece um homem distante e desinteressado, características que reforçam a sua fama de recluso e introspectivo. Ele conta que a ideia para a trama, que caiu nas graças de Hollywood e já rendeu seis filmes de bilheteria estrondosa, surgiu após uma visita ao zoológico. “Fiquei impressionado com as expressões quase humanas dos gorilas. Elas me levaram a pensar e a imaginar relações entre homens e macacos”, conta.
A partir dessa inspiração, o autor desenvolveu uma trama que mergulha o leitor em questões políticas e existenciais. Uma sátira da sociedade humana que leva ao veredito: todas as civilizações perecem. O cinema aproveitou brechas da história para fazer críticas ao armamento nuclear (na primeira trilogia, entre os anos 1960 e 70, com Charlton Heston) e aos perigos da manipulação genética (na série atual, iniciada em 2011, com James Franco).
O livro começa no espaço, onde um casal passa a lua de mel em uma espaçonave particular, prática que o autor previu como algo corriqueiro no futuro. O passeio é interrompido por uma garrafa carregada com um manuscrito, que aparece boiando e é capturada pelos viajantes. O texto é assinado pelo protagonista Ulysse, um jornalista que topa participar de uma viagem intergaláctica que levará três tripulantes a planetas distantes, nunca antes alcançados pelo homem. O trio aventureiro descobre um sistema muito parecido com a Terra, com oxigênio no ar e gravidade semelhante à nossa. Mas também se depara com o absurdo: ali, os homens são animais selvagens, sem fala ou consciência, capazes apenas de uivar, enquanto os macacos são seres pensantes e culturais.
Em um processo reverso, humanos são testados em laboratório por macacos, são objetos de lobotomia e de extirpações, além de se tornarem animais de estimação e de entretenimento em zoológico. Nesse ambiente, o protagonista se envolve com uma selvagem humana, Nova, por quem sente tanto desejo físico como frustração intelectual, e também com Zira, uma macaca cientista, com quem estabelece uma comunicação e para quem consegue provar que é um ser pensante. Apesar de o primeiro filme ser fiel ao cerne da trama literária, as diferenças entre uma obra e outra são muitas, em especial o desfecho. Difícil dizer qual a melhor solução, já que ambas são eficazes e impactantes.
Na primeira trilogia cinematográfica, uma guerra nuclear devasta o planeta, à qual apenas três macacos sobrevivem. Na série da década atual, uma gripe criada em laboratório e testada em macacos mata parte da humanidade e faz os símios se tornarem inteligentes. Nos dois casos, a culpa da extinção é do homem. Na obra de Boulle, contudo, não existem culpados. Para ele, civilizações são finitas — feitas para acabar. E, seja lá qual for o ser dominante, as organizações se repetem. Até os macacos inteligentes do livro são cópias de gerações anteriores, sem criatividade, que se maltratam por hierarquias, criam separações entre raças e abusam da violência. Mazelas da sociedade que a estancam, impedindo um desenvolvimento verdadeiro.
Tamanho pessimismo não se faz à toa. Boulle serviu durante a Segunda Guerra Mundial, capturado na Indochina, foi forçado a trabalhar como prisioneiro durante dois anos em Hanói, no Vietnã. Essa experiência permeia a sua obra, dividida em histórias de guerra e ficção científica, ambas com camadas tênues entre o bem e o mal. Aliás, outro livro de sucesso assinado por ele é A Ponte do Rio Kwai, que lhe rendeu o Oscar de melhor roteiro em 1957.
Quem parece resumir com esmero o olhar do escritor sobre a vida é Jean Loriot, viúvo da sobrinha de Boulle e estudioso de sua obra, no ensaio ao fim da nova edição brasileira do livro. “Isso (a guerra) o fez encarar a relatividade do bem e do mal. O bem é bom apenas sob determinado contexto. Não é necessariamente algo universal.”