Internet pode decidir as eleições no Brasil, diz autor de ‘O Novo Poder’
Livro analisa como um mundo hiperconectado democratizou o acesso e o poder de influência. Confira entrevista com os escritores
Em tempos de massivo uso da internet e redes sociais, pessoas comuns têm se tornando cada vez mais protagonistas em áreas às quais não tinham acesso anos atrás. Agora, elas conseguem saber das notícias mais rapidamente, compartilhá-las e produzir seu próprio conteúdo nas redes sociais e no YouTube. A possibilidade de obter conhecimento e ter voz, alcance e influência é chamada de “novo poder” pelos autores Henry Timms e Jeremy Heimans, autores do livro O Novo Poder, publicado no Brasil pela editora Intrínseca.
O inglês Henry Timms é presidente do 92nd Street Y, centro cultural comunitário que cria programas e movimentos que fomentam o aprendizado e engajamento cívicos. Já o australiano Jeremy Heimans é CEO e um dos fundadores da Purpose, empresa especializada na concepção e no apoio de movimentos sociais em todo o mundo.
Ambos falaram a VEJA sobre os benefícios e os perigos do novo poder e como isso pode influenciar no dia a dia das pessoas e na política brasileira.
No livro, os senhores falam sobre pessoas que detêm poder de influência, mas não compartilham seu conhecimento. Em contrapartida, pessoas comuns ganham voz e conseguem trocar ideias sobre os mais variados assuntos, mesmo sem ter estudado formalmente esses temas. O que é positivo e negativo nesse cenário?
Henry Timms: Um dos grandes desafios é acabar com esse monopólio do conhecimento. Na ciência, por exemplo, acadêmicos têm todo o conhecimento, fazem as pesquisas e isso é muito importante. O problema atualmente é que outras vozes não são ouvidas. Não há comunicação entre os especialistas e as pessoas comuns. Esses especialistas têm de aprender a trabalhar com o que chamamos de “novo poder”. Sem esse filtro, as vozes que ouvimos nas redes são de malucos e as mudanças não acontecem. Vozes com mais importância não são ouvidas. O ideal é ter o melhor dos dois mundos, uma fusão entre os dois influenciadores. O que vemos hoje é o velho poder, sem aceitação do novo; e o novo, sem o acréscimo do velho.
Jeremy Heimans: O melhor seria não só a divisão de ideias pelos especialistas, mas também a indicação dos melhores conceitos entre as vozes da internet. Especialistas têm de mudar o conceito de “meu laboratório é meu mundo”, para “meu mundo é meu laboratório”. A população pode cooperar muito na descoberta de soluções. O livro fala da fusão entre os dois modos para se chegar a elas.
Henry Timms: Um jornal chamado The Correspondent fez com que o leitor participasse da produção de notícias e ajudasse os jornalistas. Então um especialista na área de segurança, por 35 anos, acaba tornando-se fonte da publicação que lê e facilita o trabalho, dividindo sua experiência e depois repassando para outras pessoas lerem.
Um equilíbrio entre esses dois poderes parece o ideal. Mas quão difícil é essa união, falando do setor da saúde, por exemplo?
Timms: É evidente que há espaço para regulações, burocracias e testes em remédios, por exemplo, que são necessários. Mas existe o outro lado, em que médicos usam linguagem que só eles entendem e o paciente, mais interessado no resultado, fica sem resposta. Então o equilíbrio é necessário. Os especialistas cuidam dos testes, mas a população tem de obter mais respostas. A melhor e mais econômica forma de cuidar da saúde é transmitindo informações aos pacientes, mas sem tirar o espaço do especialista. Há duas semanas eu retirei meu apêndice, mas estou bem, pois fiz a operação com um médico com quinze anos de experiência e mais de 200 operações no currículo — e não com alguém que fez uma busca no Google sobre como fazer uma cirurgia. Por isso, é necessário encontrar um equilíbrio: nem o controle absoluto, nem a completa anarquia.
Para se ter poder, é preciso poder aquisitivo. Como o novo poder de influência pode ser diferente do velho para pessoas sem dinheiro?
Heimans: É verdade que pessoas sem acesso à tecnologia ficam afastadas da discussão, pela dificuldade de se conectar. No entanto, a maioria da população mundial, com exceção dos que vivem na extrema pobreza, tem acesso à internet atualmente. A questão é: esse acesso traz novas oportunidades? E lembrando que as arrecadações on-line (crowdfunding) têm ajudado pessoas que precisam arrecadar dinheiro, que antes era difícil. Por outro lado, esse é um sistema que ajuda quem já tem conhecimento e poder na internet, ou seja, os mais ricos. Mas não é preciso ser um expert para navegar e conseguir influenciar. O novo poder traz novas oportunidades e, com colaboração, é possível disseminar conhecimento. É um modelo que pode dar mais oportunidades aos pobres.
Timms: Um exemplo disso é a micro lending (microfinanças), que são pessoas que estão emprestando dinheiro a outras por todo o mundo. Se precisarmos, conseguimos obter um empréstimo nos próximos vinte minutos para começar um negócio local. O novo poder não é mágica, mas se as pessoas certas passarem um tempo nas questões certas mudanças poderão ser alcançadas.
As fake news não são novidade. Governos, a vida toda, disseram coisas que eles desejaram para a população. Se em um país existissem dois jornais e o governo controlava ambos, as fake news eram, na verdade, notícia
Henry Timms, do livro 'O Novo Poder'
Outro tema abordado na obra é o de marca sem dono (em que conteúdos viralizam sem pertencer a uma empresa ou figura pública). Isso pode ajudar minorias?
Heimans: O Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, movimento da comunidade afrodescendente nos EUA que se difundiu pela internet) é um exemplo disso. São pessoas marginalizadas pela sociedade que se ergueram, mas de uma forma diferente. Tradicionalmente, os movimentos negros nos Estados Unidos tinham a figura de um homem carismático, que chamava para si toda a atenção. Esses movimentos atuais não têm um líder, mas vários, com diferentes posturas, sempre de forma anônima, dando espaço para que outras pessoas surjam nesse meio.
Alicia Garza, uma das líderes do movimento, diz que no passado, quando se cortava a cabeça do líder [como a morte de Malcom X e Martin Luther King], o movimento acabava. Então eles tentam criar um novo tipo de movimento, menos dependente de um líder.
As fake news contam histórias que determinado grupo quer ouvir e, portanto, são mais fáceis de serem assimiladas e viralizar. Como enxergam esse assunto?
Timms: As fake news não são novidade. Governos sempre disseram coisas que eles desejaram para a população. Se em um país existissem dois jornais e o governo controlasse ambos, as fake news seriam, na verdade, notícia. As fake news não foram inventadas em 2010. O que mudou é que agora qualquer um pode espalhá-las.
Heimans: E criar! Na eleição de Trump, pessoas espalharam notícias falsas de Hillary Clinton no chamado Pizzagate [em que Hillary foi apontada como líder de uma rede de prostituição e tráfico infantil]. E isso não foi feito por Donald Trump. Eram pessoas, sentadas em seus computadores, em plataformas como o Reddit. Não se trata da facilidade de espalhar notícias de forma mais rápida, mas a democratização de quem pode fazer isso. Porém, há o lado positivo de plataformas como o Reddit, pois nós temos a tendência de nos atrair por notícias mais ligadas ao que acreditamos, nas quais somos mais engajados, e nesse novo mundo é algo interessante. Então você é exposto a menos conteúdo editado por uma determinada empresa que não tem a mesma visão de mundo que a sua.
No Brasil, 64,7% da população tem acesso à internet, de acordo com dados do IBGE de 2016. Em um ano de eleição, mesmo com acesso limitado, é possível que as redes sociais definam o resultado em favor de candidatos com pouco tempo de televisão?
Timms: Não acho que seja limitado. E esse número entre as pessoas que votam tende a ser maior. Então pegue como exemplo o que se passou nos Estados Unidos. Todos os especialistas apontavam um resultado, e não foi o que aconteceu. O mesmo com o Brexit, no Reino Unido. Então, sim, é possível que no Brasil a internet decida a eleição. A ideia do tempo de TV é algo muito relacionado ao antigo poder. Não acho que se ganha eleição apresentando propostas nesse tempo, mas oferecendo algo diferente às pessoas nesse curto espaço, levando-as a um novo lugar.
Heimans: O Bolsonaro replicou a estratégia da campanha de Trump. Ele usa um exército de pessoas nas redes sociais em seu favor, algo que a grande mídia não entendeu. Apesar de Trump apontar números na pesquisa 10% inferiores aos de Hillary, nas redes sociais seu alcance era 10% superior. Ele soube usar isso para impulsionar sua campanha, e me parece que Bolsonaro tem essa mesma intensidade. Seus números na pesquisa podem estar aquém de seu apoio. Muitas pessoas que o respaldam nessa eleição, homens mais velhos, estão participando pela primeira vez de uma eleição com redes sociais e estão se sentindo politicamente participativos, algo muito semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos.
O Bolsonaro replicou a estratégia da campanha de Trump. Ele usa um exército de pessoas nas redes sociais em seu favor, algo que a grande mídia não entendeu
Jeremy Heimans, do livro 'O Novo Poder'
Bolsonaro e Trump seriam uma resposta às novas fontes de informação?
Heimans: Essas novas lideranças que surgem, seja de esquerda, como Bernie Sanders [pré-candidato democrata à Presidência dos EUA], seja Bolsonaro e Trump [pela direita], projetam destruir o sistema para conquistar seu público. Um candidato de situação precisa de poder para se manter no poder. Mas se você é um candidato contra o sistema, precisa de pessoas para criar um movimento político.
Timms: Acredito que há dois movimentos distintos: pessoas que estão olhando para o futuro e outras que olham para o passado. Candidatos como Trump e Bolsonaro usam o novo poder, mas são de outro universo, que visa a um retorno ao passado e acaba sendo pró-sistema, mas voltando trinta, quarenta, cinquenta anos no tempo. E acabam sendo novos porque defendem a ideia de destruir um sistema atual, não para evoluir, mas para retroceder no tempo. E isso é perigoso, pois eles usam tecnologias modernas para defender ideias do passado.