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Ferreira Gullar: a segunda parte da entrevista ou o velho poeta, seus mestres e a relação com o novo

Na estreia do atual site de VEJA, o poeta Ferreira Gullar – vencedor do Prêmio Camões 2010 e uma das atrações da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano – concendeu uma entrevista exclusiva sobre seus novos projetos: o livro Em Alguma Parte Alguma, com lançamento previsto para setembro, e a peça O Homem […]

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 14h48 - Publicado em 15 jul 2010, 16h48

ferreira-gullar1Na estreia do atual site de VEJA, o poeta Ferreira Gullar – vencedor do Prêmio Camões 2010 e uma das atrações da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano – concendeu uma entrevista exclusiva sobre seus novos projetos: o livro Em Alguma Parte Alguma, com lançamento previsto para setembro, e a peça O Homem como Invenção de si Mesmo, que deve entrar em cartaz em São Paulo ainda em 2010, sob a direção de Robson Phoenix. Generoso, Gullar dedicou mais de hora a uma bem-humorada conversa, que contou com a leitura de dois poemas do novo livro. Aqui, você lê a entrevista já publicada. Abaixo, você confere a segunda e última parte dessa entrevista, em que o velho poeta – considerado o maior entre entre os vivos do país – fala da relação com seus mestres e com os iniciantes que procuram a sua bênção.
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Quem o senhor lê hoje?
Hoje, eu mais releio do que leio. Eu releio meus poetas e romancistas prediletos. Muitos livros, pego ao acaso. Eu não sou sistemático. Outro dia, comprei na banca um CD de uma série lançada pela Folha sobre música popular brasileira. Era um disco do Noel Rosa, que eu botei no meu carro e fiquei ouvindo. É lindo. Eu me maravilhei, e eu conheço o Noel Rosa de trás para adiante. Mas, depois de algum tempo sem ouvir, fiquei maravilhado. Que beleza, que talento extraordinário, que humor, que inteligência. Aí, eu descobri que eu tinha em casa um livro que foi publicado há uns dez anos pelo João Máximo junto com Carlos Didier, sobre a vida do Noel. Eu já tinha lido por alto alguns capítulos, mas, como eu estou sempre ocupado com tanta coisa, não me detive nele. Agora, estou lendo vagarosamente. É um livro substancioso. Conta tudo sobre ele, sobre a Vila Isabel. É uma maravilha. Eu estou envolvido naquilo. Veja bem, eu não planejei, foi por acaso, mas eu estou lendo esse livro e curtindo a vida do Noel Rosa e as maluquices que ele fazia e a relação dele com uma enorme quantidade de compositores e artistas como Ismael Silva e Francisco Alves, o grande intérprete da época, que era um espertalhão da época – ele se apropriava da criação dos caras de quem só aceitava gravar composições se figurasse como autor. Então, eu estou lendo esse livro. Mas ao mesmo tempo leio outros. Releio João Cabral, Drummond, Rilke.

Rilke é uma citação freqüente sua. Ele foi um dos seus mestres?
Ah, foi. Ele foi um dos poetas que me revelaram o que deve ser a poesia foi ele. Houve outros, como Drummond, Murilo Mendes, Rimbaud, Mallarmé, Jorge Luís Borges. Quando eu era garoto, eu tinha de ler para aprender as coisas, certo? Eu dizia, preciso ler a Odisseia, a Divina Comédia. Eu tinha de ler para conhecer. Hoje, não tenho mais essa obrigação, leio o que me dá vontade.

No Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier, uma garota lhe entregou o livro dela, na esperança de ter a sua opinião. O senhor procura dar retorno aos poetas iniciantes que o procuram?
Eu, em geral, digo logo que prefiro não fazer isso. Pode me dar, eu leio, e, se eu quiser opinar, eu opino. Não gosto de me comprometer a opinar porque, se eu não gostar, como fica? A experiência que eu tenho de dar opinião contrária é muito ruim. Algumas pessoas aceitam, outras ficam revoltadas. Eu já quase fui agredido por causa disso. A sorte é que estava falando com o cara por telefone. Ele não podia me bater, mas me insultou (risos). Eu não vou dizer que eu gosto de uma coisa que eu não gosto. Eu não vou fazer isso de maneira alguma, até porque não vou estar ajudando a pessoa. Mas, quando eu gosto, fico muito contente e em geral escrevo para o poeta, uma cartinha ou e-mail. Porque descobrir um novo poeta é uma coisa que me dá muita alegria.

Então, os autores que o procuram podem entender o seu silêncio como uma resposta.
Mas eu não quero mesmo ter essa tarefa. Não é a minha função ficar dizendo para as pessoas se está bom ou ruim, certo ou errado. Eu não quero assumir essa responsabilidade. Então, quando me pedem, eu leio, mas não me comprometo a dar opinião. Só dou quando gosto. Às vezes, é uma mocinha, que está soando em ser poeta e me entrega o poema dela com toda a simpatia, com toda a confiança, tal, e eu vou ter de dizer que não é bom? Quando tem alguma qualidade, tudo bem, você pode dizer algo. Como quando eu vejo que a pessoa é um poeta, mas ainda não sabe fazer, ótimo, eu digo, vai fazendo. Mas e quando eu vejo que a pessoa não vai conseguir? Porque, com a experiência que eu tenho, fica evidente que a pessoa jamais vai ser poeta. Ela não nasceu com essa qualidade.

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O que distingue o poeta do não-poeta?
Ah, isso eu não sei dizer. É pelo feeling que você percebe se é ou não é. Você vê pela maneira como o cara lida com as palavras. O modo de tratar as palavras de um poeta não é igual à maneira de tratar as palavras de um jornalista, de um escriturário. Um jornalista escreve bem, mas o modo de tratar a palavra que ele tem não é o que tem o poeta. É outra maneira. Isso você percebe quando o poema está bem escrito, mas não é poesia. Aquela não é a maneira de tratar a linguagem. É claro que não é uma questão puramente de linguagem. A linguagem é um instrumento. Ali, há uma relação entre a linguagem e a visão de mundo, a sensibilidade. É toda uma maneira de ver a realidade. Ser poeta é ter uma atitude específica diante do mundo que não é a do filósofo, não é a do cientista. O poeta não é filósofo. A filosofia é diferente da poesia, ela tem um sistema, ela quer buscar coerência etc. etc. O cientista quer a verdade comprovada, é outra coisa. O poeta, não. Ele não quer ser coerente e, se for, ele não está preocupado com isso. Ele vive de descobertas e de espantos a cada momento. O poeta não cria sistemas. O poema que ele faz hoje não precisa ser coerente com o poema que ele fez há um ano. Ele não tem esse tipo de preocupação ou de compromisso. Ele também não tem por objetivo explicar o mundo e, ao mesmo tempo, ele tem liberdade para descobrir um mundo que o cientista e o filósofo não veem. Ele está a fim de revelar para as pessoas o seu espanto, o mistério e a beleza da vida, o que ela tem de incompreensível, de transcendente e de inexplicável. É claro que eu não vou buscar todas essas coisas no poema que um jovem me pede para ler. O que importa é que o modo do poeta se relacionar com as palavras é outro. Isso eu não sei explicar, mas eu sinto quando um cara tem um relacionamento com as palavras – e com o pensamento, consequentemente – que é próprio do poeta. Eu posso me enganar também, evidentemente, mas eu suponho perceber isso. E raramente me engano.


Maria Carolina Maia

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