Escolha de Mo Yan para o Nobel tem peso político
A China vê sua economia crescer a taxas de dois dígitos ao ano, sustentada pelo trabalho escravo de milhões e por outras contradições, e o Nobel de Literatura vai justamente para um escritor que se dedica a criticar as incongruências da sociedade chinesa. A escolha da Academia Sueca em 2012, se não chega a surpreender, […]

A China vê sua economia crescer a taxas de dois dígitos ao ano, sustentada pelo trabalho escravo de milhões e por outras contradições, e o Nobel de Literatura vai justamente para um escritor que se dedica a criticar as incongruências da sociedade chinesa. A escolha da Academia Sueca em 2012, se não chega a surpreender, já que Mo Yan, o vencedor, figurava em listas de favoritos nos últimos meses, carrega um peso político.
Em um país onde a censura ainda é reinante, a adoção de um pseudônimo que significa “não fale” — o verdadeiro nome de Mo Yan é Guan Moye — já diz muito. A utilização de um realismo que o leva a ser comparado a latino-americanos como Gabriel García Marquez, também: o realismo mágico foi uma arma encontrada por escritores latinos para driblar os censores de regimes ditatoriais e fazer críticas nos anos 1970.
É sob esse prisma que se deve ler o romance Life and Death Are Wearing Me Out (A Vida e a Morte Estão me Esgotando, em tradução livre), à venda no Brasil em edições em inglês importadas por livrarias como a Saraiva e a Cultural. No romance, Ximen Nao, um fazendeiro generoso com os camponeses que trabalham em suas terras, perde as suas propriedades e é cruelmente executado durante a reforma agrária empreendida por Mao Tse Tung em 1948. Morre jurando inocência de qualquer crime e vai para o inferno, onde Yama, o senhor do submundo, se encarrega de torturá-lo para que confesse a sua culpa — tática que é velha conhecida de regimes ditatoriais. Sem conseguir extrair dele uma confissão de culpa, Yama permite que Nao volte à vida e às suas terras, mas na forma de um animal. Nao primeiro ressurge como um burro, depois como um boi, um porco, um cachorro, um macaco, e enfim como um garoto de cabeça grande, Lan Qiansui, e é pelos olhos de cada bicho que conta a história da China na segunda metade do século XX.
A revolução cultural chinesa e a dominação comunista também são assunto de um de seus livros mais recentes, Big Breasts & Wide Hips (Seios Fartos e Ancas Largas, em tradução direta), que foi retirado de circulação na China. Aqui, o corpo feminino é usado como metáfora para falar da situação da mulher chinesa em uma sociedade, que, apesar das mudanças vividas e sofridas, continua sendo patriarcal e machista. A história é narrada pelo único homem entre os nove filhos de Mãe, personagem nascida em 1900 e testemunha das diversas transformações ocorridas na China no século XX, do fim da dinastia Qing ao comunismo, passando pela invasão japonesa nos anos 1930. O narrador é um homem mimado e inútil, em contraposição às irmãs trabalhadoras.
Na Feira de Frankfurt de 2009, que teve a China como país homenageado, assim como será com o Brasil em 2013, a presença de Mo Yan entre os autores convidados era apontada como prova de que o evento, o maior do meio literário em todo o mundo, não iria se limitar a mostrar uma “China oficial”.
Prêmios com peso político não são nenhuma novidade para a Academia Sueca, que nos últimos anos se pautou várias vezes por esse critério. Em 2009, o Nobel destacou a literatura de Herta Müller, uma representante da minoria alemã na Romênia que, após a queda do nazismo, passou a ser discriminada e perseguida pelo regime comunista. A escolha, em 2010, do liberal e antichavista Mario Vargas Llosa também parece ter tido viés político.
Maria Carolina Maia
Já agradecendo ao comentário do Fábio, abaixo, fazemos aqui um adendo interessante. O artista plástico Ai Weiwei, notório por suas críticas ao regime político chinês e por ele perseguido, lamentou a entrega do Nobel de Literatura a Mo Yan, porque, segundo ele, o escritor não se envolve com os problemas da China atual, como o caso do dissidente Liu Xiaobo, que venceu o Nobel da Paz de 2010 e está preso desde 2009. Assim, Yan, que a Academia Sueca chamou até de “subversivo” e que chegou a sofrer veto na China, como citado acima, é para Weiwei um escritor alinhado com o regime. Yan tem, de fato, boas relações com o mundo oficial chinês: venceu um importante prêmio no país e foi eleito vice-presidente da associação nacional de escritores. Mas, em entrevista concedida em 2008 ao jornal espanhol El País, deu a dica de como dizer o que pensa sem apanhar por isso: “Ainda há coisas que não podem ser ditas de forma direta, embora a situação seja melhor do que no passado. E um bom escritor sabe encontrar a melhor maneira de contar o que deseja”.