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‘Dias Bárbaros’: quando o surfe ganhou o Pulitzer (e a Flip)

Jornalista da ‘New Yorker’ e convidado da Flip, William Finnegan ‘sai do armário’ como surfista e conquista com narrativa que vai além do esporte

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 jul 2017, 06h04 - Publicado em 22 jul 2017, 06h04

Foram 20 anos entre amadurecer a ideia e efetivamente finalizar o livro Dias Bárbaros: Uma Vida no Surfe (Intrínseca), que o jornalista William Finnegan apresenta na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), entre os dias 26 e 30 de julho. Boa parte das duas décadas de trabalho foi consumida pela dúvida: seria esse livro um grande erro? “Tive uma vida estranha”, conta Finnegan a VEJA. “De um lado, eu era um jornalista político respeitado, que tentava ser responsável e um bom cidadão. E, no particular, era completamente irresponsável. Improdutivo para a sociedade.”

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Finnegan teve que “sair do armário”, como ele mesmo diz, ao assumir sua grande paixão: o surfe. Hoje, aos 65 anos, o colunista da revista New Yorker ainda usa o tempo livre para pegar ondas. Mas nada comparado ao que fazia em um passado não muito distante. Viagens absurdas, perrengues que envolviam falta de dinheiro e até uma perigosa malária fazem parte de seu diário de aventuras.

O livro, que ganhou o Pulitzer de biografia em 2016, contudo, conquista não pela prática do esporte em si, mas pela intimidade com que Finnegan envolve o leitor. A mecânica de pegar uma onda se mistura a histórias de relacionamentos, com namoros frustrados, amizades finitas e a dor da distância da família. Ao mesmo tempo, diversos países e seus contextos políticos se entrelaçam na trama, como o período em que o americano viveu na África do Sul e, entre uma onda e outra, trabalhava como professor em uma escola para crianças negras. Episódios de racismo presenciados por ele serviram para que, mais tarde, se tornasse um relevante comentarista do tema – tratado por Finnegan em outros livros inéditos no Brasil.

Coincidentemente, ou não, o escritor participa na Flip na mesa “Por que escrevo”, que acontece na sexta-feira, ao lado de Deborah Levy, autora da África do Sul, nascida durante o Apartheid – período testemunhado pelo jornalista quando viveu no país.

A mesa é uma de muitas da Flip 2017 em que as questões raciais serão abordadas — na mesa principal, que acontece no sábado à noite, estarão dois autores negros vencedores do Man Booker Prize (Marlon James e Paul Beatty). Feminismo também deve quicar como um assunto importante, sendo esta edição a primeira em que o número de autoras supera os de autores.

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Confira abaixo a entrevista completa com William Finnegan:

 

Escrever uma autobiografia pode ser uma armadilha no sentido de se vangloriar e alimentar seu ego. Como evitou esse tipo de narrativa? Não tenho muita certeza de que consegui evitá-la (risos). É preciso escolher quais histórias contar para deixar de lado as situações em que você está sempre vencendo, ou sendo o herói do dia. Os personagens interessantes são os que têm problemas, fracassos, ansiedades, medos. As histórias mais interessantes são as que te colocam em situações difíceis ou embaraçosas. Claro que esse tipo de filtro me fez repensar se deveria ou não lançar um livro de memórias.

Foi difícil encarar o passado? Um pouco. Eu tive uma vida estranha. De um lado eu era um jornalista político respeitado, que tentava ser responsável e um bom cidadão. E, no particular, eu era completamente irresponsável. Passei boa parte dos meus anos caçando ondas, sendo improdutivo para a sociedade. É difícil explicar esse tipo de paixão. Então minha intenção não era justificar, mas pelo menos apresentar esse meu outro lado, que envolvia tantas camadas, com amigos, relacionamentos, família.

O livro ganhou o Pulitzer e foi bem recebido. Mas antes disso, teve medo de que essa biografia te marcasse de uma forma negativa? Alguns amigos leram o livro e ficaram chocados. “Como você teve coragem de se expor desse jeito?” Pensei, sim, que as pessoas iam me achar um idiota. Tenho falhas. O importante era não interferir na qualidade da história. Claro que em alguns momentos pensei: “Meu Deus, aqui estou confessando um delito (risos)”. Ok, eu era jovem, mas nem tanto, tinha 15 anos, depois 25. E não foi legal fazer isso. Cheguei a pensar que escrever minha biografia era um erro. Mas decidi arriscar.

Para além de ser sua biografia, é um livro que também fala da vida de muitas outras pessoas que se relacionaram com você. Chegou a entrar em contato com elas? Pediu autorização para escrever as histórias? Na maioria dos casos, sim. Pensei muito sobre o que eu tinha o direito de publicar ou não. Não queria trair a confiança de ninguém. Algumas pessoas pediram para não serem citadas ou para que eu evitasse falar de um episódio específico. Mas, no fim, não deu para falar com todo mundo. E algumas pessoas ficaram infelizes.

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Algum caso te frustrou? Na verdade, o que me frustrou foi minha memória. Todos temos aquelas histórias que gostamos de contar durante vários momentos da vida. E aí, quando fui checar, descobri que estava equivocado em vários casos. Ao longo dos anos, romantizei pessoas e situações. Em outro caso, uma cena muito importante do livro, eu vou com uma ex-namorada encontrar o pai dela que estava desaparecido. Conversamos um longo período sobre como tudo aconteceu realmente. Até que, no último e-mail, ela fez a observação: “só mais uma coisa, você não estava lá”. Eu fiquei chocado. Claro que eu estava. Mas aquele era um momento importante para a história dela. Tanto que ela me apagou do momento, eu não era necessário naquela narrativa. Então mudei esse trecho. A cena perdeu a força, mas foi uma decisão ética. Tinha que respeitar a memória dela.

William Finnegan surfando em São Francisco, em 1985
William Finnegan surfando em São Francisco, em 1985 (Acervo Pessoal/Divulgação)

No Brasil temos uma situação delicada com biografias. Se alguém se sentir ofendido ou que sua privacidade foi invadida, ele pode levar isso à Justiça. Nos Estados Unidos não temos esse tipo de problema. Mas passei por isso na Inglaterra. Eles têm uma lei mais séria para proteger a privacidade das pessoas. Quando meu livro foi lançado em Londres, os advogados perguntaram se eu tinha checado informações com algumas pessoas. E eu não tinha. Então tive que ir atrás de novo de algumas pessoas. O engraçado é que você nunca sabe pelo que as pessoas querem ser lembradas. Do que elas têm orgulho ou vergonha. Teve o caso de uma mulher que escrevi que sua vida “parecia uma longa orgia de meia-idade”. Achei que ela ficaria irritada quando soubesse. Ela respondeu: “você colocou isso em um livro?”. Eu disse, envergonhado, que sim, e ela falou: “isso é ótimo!”. Ela ficou muito feliz (risos). É uma senhora de 89 anos e ela queria ser lembrada desse jeito.

Algumas das histórias do livro são até assustadoras. Foram vários perrengues e até uma malária que quase te matou. Qual dessas tramas do passado te assombra hoje quando pensa que já fez tal coisa? Nos anos 1990, eu já tinha 40 anos, e comecei a frequentar a Ilha da Madeira, de Portugal. É um lugar perigoso para surfar. Alinhei minhas memórias com um amigo sobre um episódio tenso em que o mar nos puxou e ficamos presos pelas ondas à noite. Depois, quis saber como foi no ano seguinte e ele me disse: “Você está louco? Eu nunca mais voltei. Nós quase morremos naquele dia”. E eu voltei várias vezes, mas sozinho. Na minha cabeça, estava com ele. E ainda passei por outra experiência em que quase me afoguei. Então isso me choca hoje em dia, ter voltado, sozinho, sabendo que era tão perigoso.

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Se arrepende de algo? Não… e sim também. Talvez do meu comportamento. De como era teimoso, egoísta, inocente. Eu não prestava atenção nas pessoas ao redor, como namoradas, por exemplo. Era tudo sobre mim, meus objetivos. Eu queria escrever, viajar, surfar. Eu fui muito insensível e me arrependo disso.

Vai surfar no Brasil? Não sei. A agenda está bem lotada. Mas quem sabe. Se tiver ondas…

 

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