Copyleft, não copyright: dez notas sobre a Flip
Homem-aranha, barco político pirata, lambes encobertos e outras figuras interessantes da Festa Literária Internacional de Paraty
Livraria que vende livro
Estava na praça da Matriz na sexta-feira, quando as pessoas começavam a brotar do chão no centro histórico de Paraty. Uma adolescente de uns 15 anos acompanhada de sua avó, ambas de maneiras simples, me perguntou: “Você sabe onde tem uma livraria?”. Ante meu hiato, ela insistiu: “Sabe, que vende livros?”. No meio do maior evento de literatura no Brasil, fiquei sem palavras.
Na teia
Comecei a enumerar alguns lugares possíveis, entre eles Kombi transformada em sebo logo atrás de nós. Do lado, um homem vestido de Homem-Aranha e outro vestido de Homem de Ferro se revezavam para tirar fotos com turistas. Uma palestrante atribui o fato à estreia da Casa Fantástica, espaço parceiro da Flip que recebeu palestras dedicadas à ficção científica e literatura fantástica.
Festival de Inverno?
Já um servidor público faz outra aposta: de que a Flip se aproxima cada vez mais de um festival de inverno, tal qual cidades históricas mineiras recebem no mês de julho. Com uma programação off-Flip abundante, não era preciso ser fissurado em livros para se divertir: atrações musicais e performances também tomaram conta da cidade.
Onde pirataria não é crime
Não agradou a todos. Uma jovem escritora que aproveitou a ocasião para emendar uma residência literária na cidade estava contrariada com a programação da Flipei, a Festa Literária Pirata das Editoras Independentes. Parceira da Flip e realizada em um barco, a festa tinha uma programação predominantemente política e contou com a presença de Guilherme Boulos, Marcelo Freixo e Gregório Duvivier. No espaço, stêncil de Lula. Pesou o tom da política.
Escola com lambe, mas sem partido
De Brasília, o coletivo Transverso, que distribui lambes político-poéticos pelas paredes da cidade, marcou presença na Casa M.A.R, parceira da Flip. Abrigada pela Escola Estadual CEMBRA, alguns lambes de caráter político logo tiveram a presença desmarcada. O motivo: evitar atrito com pais da Escola Sem Partido. Um, com mensagem mais sutil, sobreviveu (foto).
A propósito
A sigla M.A.R. refere-se a Maria Angélica Ribeiro, a primeira dramaturga brasileira a ter sua peça encenada, nascida no ano de 1829 em Paraty. Ela é pouco lembrada em registros históricos, e hoje dá nome à biblioteca da escola.
Copyleft
A programação da Flipei veio em papel menos nobre e com a licença/trocadilho copyleft, no lugar de ©copyright. Com seus “esquerdos autorais”, a publicação deixava livre o direito de cópia e acenava para uma orientação do timão do barco. Um trunfo sobre a programação oficial: seu “mapa do tesouro” trazia os horários das mesas. Não, o da Flip não tinha. Muitos ficaram confusos, outros preferiram completar com caneta.
Tempo é relativo
Horário para quê: uma recepcionista de hotel, cujo ex-marido é barqueiro na região, disse que o evento estava mais atrasado neste ano, e isso atrapalhava saídas de barcos. A quantidade de eventos nas casas gratuitas também dispersaram turistas dos passeios de barco da cidade, e a falta de compromisso com o horário não ajudava as pessoas a se organizarem para passeios marítimos.
Xepa
O domingo foi proveitoso para quem procurava fazer bons negócios – e desesperador para editoras com estoque encalhado. Promoções malucas, como 80% de desconto e “Pague quanto quiser” se espalharam pelos estandes. Um local comemorava ter adquirido um exemplar do livro Forming, de Jesse Moynihan, por 45 reais. No site da Editora Bolha, ele custa 65. Não parece bom negócio? “Era ‘pague quanto quiser’, mas fiquei com dó e paguei o que achava minimamente justo”, explica o leitor.
Oportunidade
Na Casa Amarela, espaço parceiro da Flip dedicado a escritores independentes, o pequeno José, filho de 7 anos da faxineira do local, fez sucesso ao vender seu trabalho autoral. Eram pedaços de papelão com desenhos feitos a canetinha e a indicação do valor: “15 preços”. Mais caro que muitos livros de editora no fim de feira.