Depois de cerca de 500 páginas, o diretor da Leya no Brasil, Pascoal Soto, chega ao fim de Uma Viagem à Índia, romance de Gonçalo M. Tavares que será lançado em Portugal no final de outubro e, por aqui, provavelmente no início do ano que vem. Está emocionado. “É uma obra-prima”, diz. Gonçalo tem apenas 35 anos e já é autor de um catálogo respeitável – premiado e traduzido para diversas línguas, era a aposta de José Saramago para o próximo Nobel de língua portuguesa. O editor se pergunta como pode um autor tão jovem ter feito tanto. Não é preciso idade para escrever bem?
“Gonçalo é gênio”, responde Soto, esvaziando a discussão em torno do português. A pergunta, no entanto, permanece latente. Distante de ser uma ciência exata, a literatura é, antes, uma massa de questões incubadas, a sugerir respostas – e leituras – diversas. Exemplo disso é a sequência de listas recentemente produzidas por dois dos veículos mais respeitados dos Estados Unidos. Depois de a revista The New Yorker fazer uma relação de 20 escritores com menos de 40 anos considerados chaves de sua geração, a 20 under 40, o jornal New York Times parodiou a iniciativa, criando o 10 under 10: o rol dos dez autores com menos de dez anos que mais prometem. O que o jornal ironizava, no fundo, eram os critérios numéricos da revista: por que 20 e, mais ainda, por que 40 anos?
“Alguém já disse que os músicos e os cientistas manifestam sua genialidade na infância e na juventude, ao passo que os escritores e os filósofos, na maturidade e na velhice. Mas é claro que, na realidade dos fatos, isso não se confirma. Clarice Lispector não escreveu Perto do Coração Selvagem com 22 anos?”, indaga o escritor Nelson de Oliveira, que é autor de autor de A Oficina do Escritor: sobre Ler, Escrever e Publicar e ministra oficinas literárias para diferentes idades. “E o que dizer do jovem Rimbaud?”
Oliveira conta ter dado aula para adolescentes de catorze e quinze anos que escreviam “maravilhosamente bem. Uma escrita visceral, às vezes inocente, mas nunca ingênua”.
Exemplo oposto aos citados pelo escritor Nelson de Oliveira, o Nobel Saramago só atingiu sua maturidade literária aos 60 anos. E só então passou a se consagrar como autor de ficção. Nesse caso, a idade não possibilitou apenas acúmulo de experiência de vida ou de leituras, mas, especialmente, maturação do texto. Saramago encontrou um estilo próprio, caracterizado principalmente pela desobediência às regras de pontuação.
É fato que, aos 15 anos, o repertório do autor tende a ser menor do que aos 30. “Eu diria que, sem viver, é impossível escrever, mesmo para o gênio. E que, antes dos 25, 30 anos, não há tempo suficiente para viver o bastante e experimentar o suficiente para ter condições de ser livre e contribuir com algo”, diz Soto, da Leya. “Um escritor tem mesmo de ler muito, experimentar na escrita e, na vida, viver com intensidade. A prática da escrita em si, como se vê no caso do Saramago, é importante. Ela proporciona confiança.”
A escrita é, aliás, o ponto crucial para Alcir Pécora, professor de teoria literária na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Se tivesse de escolher uma única virtude para um prosador, não diria nem vivência nem imaginação, diria que é o domínio da língua. Ou, em termos mais amplos, a consistência do cultivo educacional, intelectual e cultural”, diz. “Onde não há estudo sistemático e institucionalizado de qualidade, onde a maioria dos escritores é monolíngüe e, pior, é estreita no emprego e domínio da própria língua, pode haver sempre o milagre de um escritor extraordinário, mas não pode uma qualidade média alta de produção.”