Com filme, venda do livro ‘Sniper Americano’ cresce 74%
Daniel Dieb Chris Kyle já era dono do título de celebridade nos Estados Unidos, mas sua fama foi elevada a novos patamares com o lançamento do filme Sniper Americano, de Clint Eastwood. Indicado a seis estatuetas no Oscar, o longa apresentou o atirador de elite da Seal, condecorado diversas vezes pelos seus atos no Iraque, […]
Daniel Dieb
Chris Kyle já era dono do título de celebridade nos Estados Unidos, mas sua fama foi elevada a novos patamares com o lançamento do filme Sniper Americano, de Clint Eastwood. Indicado a seis estatuetas no Oscar, o longa apresentou o atirador de elite da Seal, condecorado diversas vezes pelos seus atos no Iraque, aos que ainda não o conheciam. Em seu currículo estão mais de 150 mortes contabilizadas (oficiais), número que faz dele o sniper mais letal da história das forças armadas americanas. Graças aos seus feitos, Kyle ficou conhecido entre os companheiros de combate como “a lenda” e, entre os inimigos, como “al-Shaitan”, o diabo.
A trama que traz Bradley Cooper no papel do atirador foi parcialmente baseada na autobiografia de mesmo nome escrita por Kyle, em parceria com Jim DeFelice e Scott McEwen. O livro ganhou sua primeira edição no Brasil pela editora Intrínseca e viu suas vendas crescerem 74% com o lançamento da produção hollywoodiana por aqui há duas semanas, em 19 de fevereiro. Segundo a editora, até o momento foram 12.000 exemplares vendidos da autobiografia, que estreou na oitava posição entre os títulos de não ficção da lista de mais vendidos de VEJA.
Quem apenas viu o filme pode considerar a primeira cena, em que Kyle deve escolher se mata ou não uma mulher e uma criança para proteger os soldados americanos, uma boa degustação do que narram as páginas. O tom do livro é tenso, cru e muitas vezes devastador, como o diálogo entre ele e seu superior demonstra:
“Eu hesitei. Alguém tentava avisar os fuzileiros pelo rádio, mas não conseguíamos chamá-los. Eles avançavam pela rua, na direção da mulher.
-Atire! – ordenou o sargento.
Apertei o gatilho. A bala voou. Eu atirei. A granada caiu. Atirei outra vez quando a granada explodiu.
Foi a primeira vez que matei alguém quando estava com o rifle de sniper. E a primeira – e única – vez no Iraque que matei alguém que não fosse um combatente homem.”
Nos primeiros capítulos, o ritmo começa devagar, especialmente nos momentos de espera dos combatentes, entre uma missão e outra. Kyle conta sobre sua origem no Texas, seus laços familiares e algumas aventuras de quando era mais jovem. São estes primeiros capítulos que mostram a formação da personalidade do personagem e sua visão de mundo. Entre seus valores principais estão a pátria, a religião e a família, exatamente nessa ordem, como ele afirma.
Antes de partir para o Iraque, Kyle se casa com Taya, interpretada no filme por Sienna Miller. No livro, os relatos do sniper são intercalados por comentários da mulher, responsável por dar verniz ao lado mais sentimental do marido e apontar os problemas que a guerra lhe causou. A obra escrita mostra que Sienna soube interpretar a personagem com sinceridade e fidelidade. Méritos da atriz, que acabou relegada nas premiações cinematográficas.
Nas páginas que entram de fato na guerra, Kyle conta sobre suas missões no Iraque entre 2003 e 2009. Similar à sua postura em campo, frio e calculista, o combatente narra como algumas decisões estratégicas eram tomadas, além de relatos das batalhas e descrição do caos nas cidades. Entre os detalhes que o livro mostra de forma mais explícita está o relacionamento dos soldados com os militares de alta patente. Segundo Kyle, muitas das decisões tomadas por eles prejudicavam os que estavam em solo na guerra. Outra denúncia é que pessoas de maior patente eram promovidas por motivos políticos, mesmo pisando na batalha poucas vezes.
Kyle demonstra que preferia tomar decisões sozinho, sem a burocracia do lado administrativo, já que matar ou não alguém, geralmente, era uma decisão feita somente por ele, que assumia o papel do juiz e do carrasco, ao mesmo tempo. Para apertar o gatilho, Kyle determinava se o alvo apresentava perigo baseado nas regras de engajamento que aprendeu durante seu curso de atirador de elite. Porém, o campo de batalha, com explosões e tiros por todos os lados, é um pouco mais estressante que a sala de aula.
Eastwood explorou bem o conflito interno que se passa na cabeça do atirador, mas perdeu a mão ao romantizar alguns momentos da história. A tentativa de dar um tom mais humano a Kyle não era necessária, afinal, trata-se de uma guerra e de um de seus heróis, combinação que culmina em explosões de emoções distintas aos olhos que observam à trama de longe. Entre seus exageros está o recurso da câmera lenta que acompanha um projétil disparado, no melhor estilo videogame. “Eu estava apenas fazendo meu trabalho”, afirma.
“Quando Deus me confrontar com meus pecados, acredito que não verei nenhuma das minhas mortes durante a guerra. Todo mundo em quem atirei era mau. Tive um bom motivo para cada tiro. Todos mereceram morrer.”
Os efeitos da guerra sobre o emocional de seus soldados são pontos que o livro mantém certa distância. Parte que Kyle não tinha interesse, ou não ponderou o suficiente para contar em sua autobiografia. Completamente entediado com sua vida fora de guerra, Kyle estava, nas palavras de Taya, alheio ao que ocorria ao redor dele, muito estressado e irritado com qualquer coisa.
Nos Estados Unidos, o livro foi lançado antes do triste desfecho da vida de Kyle. Em 2013, após se recuperar dos traumas pós-guerra e conseguir se adaptar ao cotidiano comum, Kyle começa a trabalhar ajudando ex-combatentes que sofriam com problemas causados pelas participações na guerra do Iraque. Kyle e seu companheiro, Chad Littlefield, levavam Eddie Ray Routh para um estande de tiro com o intuito de ajudá-lo com seu estresse pós-traumático. Lá, Ray Routh atirou em ambos. Em fevereiro deste ano, a justiça americana o condenou a prisão perpétua.