‘Caso Harry Quebert’: um thriller morno e fácil de esquecer
Meire Kusumoto Impossível não abrir o volume de A Verdade sobre o Caso Harry Quebert (tradução de André Telles, Intrínseca, 576 páginas, 39,90 reais a versão impressa ou 24,90 o e-book) com franca curiosidade: afinal, o que tem esse livro que fez críticos ao redor do mundo caírem de amor por seu autor, o suíço […]

Meire Kusumoto
Impossível não abrir o volume de A Verdade sobre o Caso Harry Quebert (tradução de André Telles, Intrínseca, 576 páginas, 39,90 reais a versão impressa ou 24,90 o e-book) com franca curiosidade: afinal, o que tem esse livro que fez críticos ao redor do mundo caírem de amor por seu autor, o suíço Joël Dicker, e que chegou a desbancar Inferno, o último romance do gigante Dan Brown, da lista dos mais vendidos na Europa? No entanto, ao encarar o calhamaço de quase 600 páginas fica claro que toda essa badalação é exagerada: o livro é um thriller morno e fácil de esquecer, que falha em explorar a inicial criatividade da trama.
Dicker conta a história de Marcus Goldman, um jovem escritor que encontra o sucesso já com o lançamento de seu primeiro romance. Inebriado pelo reconhecimento, ele mergulha de cabeça no mundo das celebridades, com direito a namorar atriz de Hollywood e dar enormes festas em seu apartamento de Manhattan. A dura realidade não demora a bater à porta: em um mundo de personalidades descartáveis, que não ficam em evidência por mais do que alguns meses, ele é pressionado por sua editora a escrever o segundo romance.
Goldman enfrenta um bloqueio criativo e não consegue gostar de nada que produz. Desesperado ao perceber que ele é substituído aos poucos por outros escritores-celebridades, ele vai passar alguns dias na casa de seu mentor, o renomado romancista Harry Quebert, na pequena cidade fictícia de Aurora, New Hampshire, mas sua inspiração não volta. Poucos meses depois, Goldman é surpreendido por notícias de que o corpo de uma garota de 15 anos foi encontrado no quintal de Quebert, enterrado junto com um exemplar do mais conhecido livro do escritor veterano.
Ela é identificada como Nola Kellergan, uma menina cujo desaparecimento deixou a cidade em polvorosa cerca de trinta anos antes. Quebert é visto como o principal suspeito do assassinato e é levado preso. Ao conversar com Goldman, ele nega o crime, admitindo, porém, que mantinha um caso amoroso com a garota quando ela tinha 15 anos e ele 34. Sem conseguir acreditar que seu mentor é um assassino, Goldman começa a investigar o caso por conta própria.
O jovem vasculha as histórias dos moradores da cidade, procurando alguém que teria motivações para perseguir e matar Nola. Aos poucos, a garota se mostra uma personagem cheia de segredos – um prato cheio para qualquer escritor. E é aí que Dicker decepciona: com a chance nas mãos de trabalhar as nuances de Nola e torná-la uma personagem mais complexa, o sueco decide enveredar por outros caminhos, mais fáceis, típicos de thrillers de banca de jornal.
A maneira como Quebert é retratado também deixa a desejar. O escritor renomado, considerado o maior romancista de sua geração, é um poço de frases de autoajuda regado a clichês sobre o amor e sobre a própria arte da escrita.
– Se os escritores são criaturas frágeis, Marcus, é porque são passíveis de conhecer dois tipos de sofrimentos sentimentais, ou seja, duas vezes mais que os seres humanos normais: as dores de amor e as dores literárias. Escrever um livro é como amar alguém: pode acabar sendo muito doloroso.
Reflexões desse tipo aparecem na abertura de cada um dos capítulos do romance e são reproduções de conselhos de Quebert a Goldman. Enquanto descobre o passado da cidade, o jovem relembra diversos momentos de sua vida: os primeiros anos da adolescência, a ida para a faculdade, as lições de literatura com Quebert, o sucesso. As lembranças do mentor e da população local também se misturam à narrativa, formando um emaranhado de histórias e uma polifonia de vozes.
O recurso funciona: faz com que o leitor seja tragado pela colcha de retalhos da história ali contada e avance com rapidez pelas páginas em busca de respostas – nada diferente do que um thriller deve fazer. Ao dar resoluções fáceis e burocráticas, o autor parece querer cumprir um simples protocolo para resolver os mistérios que propôs, deixando para trás personagens promissores, que de tão rasos acabam sendo esquecidos também pelos leitores.