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Biógrafo: ‘Combati o mito de Borges como homem sem vida’

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Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jun 2024, 13h33 - Publicado em 2 Maio 2011, 21h24

williamson
Chega nesta segunda-feira às livrarias brasileiras Borges: uma Vida (Companhia das Letras, tradução de Pedro Maia Soares, 672 páginas, 68 reais), a mais completa biografia já escrita do escritor argentino Jorge Luis Borges. O livro consumiu nove anos de trabalho do professor de espanhol de Oxford Edwin Williamson (na foto à esquerda), que, nele, procura apresentar Borges como um homem pulsante e envolto em relações – e especialmente em desilusões – amorosas. Abrindo mão da psicanálise, Williamson procura analisar Borges ao seu modo, traçando links entre sua conturbada vida emocional e sua obra. É sobre essa proposta que o biógrafo falou a VEJA Meus Livros.

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A vida de Borges é tão interessante quanto a sua literatura? Claro que não. A sua obra é muitíssimo mais interessante. Mas creio que a vida se torna interessante quando intimamente ligada com a obra. As pronunciadas preocupações metafísicas e intelectuais de Borges contribuíram para a criação da lenda – às vezes promovida pelo próprio escritor depois de se tornar famoso – de Borges como um homem sem vida: um manso bibliófilo distraído que vivia ensimesmado, quase fora do tempo, encerrado em uma “biblioteca total”. Eu quis combater esse mito de Borges como um homem sem vida.

Como os fracassos amorosos de Borges moldaram a sua literatura? Um dos problemas mais difíceis de explicar para qualquer crítico de Borges é a diferença tão radical que há entre as ideais e o estilo do poeta jovem e do autor das famosas ficções. Até agora ninguém pôde oferecer uma explicação. Mas descobri uma história perdida – ou ocultada – da vida e obra de Borges: sua paixão e rejeição por Norah Lange, uma jovem poeta argentina que foi sua protegida e musa nos anos 1920. A ela se deve, por exemplo, sua fascinação pelos temas escandinavos, já que Lange, ainda que nascida na Argentina, era de família norueguesa por parte de pai e mãe. No final de 1926, Norah se apaixonou fortemente pelo poeta Oliverio Girondo, o mais odiado rival de Borges dentro da vanguarda argentina, e essa derrota o desorientou por completo. Observa-se aí uma mudança nas suas ideias literárias, em pouco tempo ele perde a voz poética e até pensa em se matar. Esse desastre pessoal explica a sua evolução de poeta whitmaniano, que era quando jovem, para, escritor desiludido, kafkiano, uma década mais tarde, quando, se torna internacionalmente famoso por suas ficções.

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O senhor não acha que esse tipo de interpretação pode empobrecer a literatura de Borges? Não. Se feita com bom juízo e sensibilidade crítica, a investigação biográfica pode abrir novas perspectivas interpretativas para a sua obra. Para dar um exemplo: a perda de Norah Lange foi um desastre para Borges e o mudou radicalmente como escritor. Esse dado biográfico nos ajuda a compreender a natureza da mudança no pensamento e na prática literária de Borges. Depois de perder Norah, Borges rechaça a expressividade derramada do escritor ‘romântico’ (a postura que havia sido sua nos anos 1920) e opta pela reticência do ‘clássico’, para quem a experiência vital e a emoção não são reveladas diretamente ao leitor. Assim, pois, quando escreve as ficções que lhe renderiam renome internacional, esses textos não revelam suas raízes vivenciais – parecem desconectados de seus contextos. Essa experiência nos abre novas perspectivas na obra mesma. O Aleph, por exemplo, é um conto-chave que relata o desespero de um personagem chamado Borges, que não consegue esquecer o seu amor não correspondido por Beatriz Viterbo, mesmo após a morte dela. E o motivo da sua escravidão dantesca à memória de uma mulher que não o queria é que Borges sabe que ela nunca poderá alcançar o ideal poético de expressar em palavras a essência do mundo numa espécie de exaltação mística. Ademais, como demonstrei na biografia, O Aleph se relaciona com outros contos como O Zahir, O Congresso, Ulrica e A Noite dos Dons, e também com muitos poemas. Assim, uma descoberta de ordem biográfica pode levar a um enriquecimento da interpretação da obra de Borges.

Quando Borges lê o romance paterno El Caudillo, ele percebe o quanto é parecido com o pai e decideborges-e-a-mae procurar sua voz própria. Ele não quer ser um fracasso literário como dr. Borges. Na sua opinião, é por isso que ele não se tornou um romancista? Apesar de ser um mulherengo, o pai de Borges mostra uma veia muito romântica em seus poemas e no romance El Caudillo (1921). Nesse livro, Jorge Guillermo Borges representa a paixão erótica num sentido místico, como um caminho para a realização do ser e sua conexão essencial com o espírito do universo. Essa ideia influenciou decisivamente a temática do filho, especialmente em O Congresso, seu conto mais extenso, que está calcado no padrão ideológico do romance do pai. O Congresso foi uma tentativa de se desfazer da sombra do pai. Jorge Guillermo foi um escritor frustrado e seu filho temia precisamente ser um espelho do pai. O Congresso foi concebido como uma novela, segundo o próprio Borges, mas quando foi publicado, em 1970, já havia se reduzido a um longo conto – o maior de todos na obra de Borges. Talvez seja um sinal de que Borges superou seu conflito. Quanto a não ter se tornado romancista, é possível dizer que colocava em questão a preeminência do romance na hierarquia da literatura moderna. Era atraído por modos de contar historias que haviam precedido em muito o romance: a fábula, a épica, a parábola e o conto folclórico. Nada estava a salvo da sua imaginação literária: una resenha bibliográfica, um obituário, um ensaio erudito ou uma nota de rodapé poderiam ser tocados pela magia da ficção.

Sua interpretação sobre o significado do tigre para Borges é frágil e passível de críticas. Na sua opinião, esse símbolo é realmente importante para ler Borges? Sim, é um dos símbolos-chave na obra de Borges, assim como a espada, o punhal, o espelho, o aleph e outros. No pensamento e na escrita de Borges, há uma dualidade de fundo: por um lado, ele se esforçava para definir a essência de sua personalidade, enquanto, por outro, temia cair no que chamou “o nada da personalidade”. Na minha opinião, a raiz psicológica do dualismo que se observa em toda a obra de Borges se encontra na divisão aguda entre os valores de seus padres. Leonor Acevedo era católica e burguesa, ao passo que Jorge Guillermo Borges era anarquista, livre pensador e mulherengo. Essa diferença gera no filho um conflito que caracterizo como uma oposição entre a espada da honra, associada à mãe, e o punhal da transgressão, associado ao pai. Na sua obra, a espada poderia corresponder à dignidade dos antepassados heroicos e patrícios, e o punhal, ao que se liga ao povo e ao sexo. Borges se sente atraído com a mesma força pelos dois polos. Nesse contexto, certos símbolos como o tigre e o aleph representam uma unidade vital ou espiritual que ele tanto desejava.

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Quem foi mais influente sobre a personalidade e a obra de Borges: o pai frágil ou a mãe dominadora? A influência da mãe (na foto acima, à direita) foi decisiva na sua vida. Borges viveu com ela até a sua morte, em 1975, quando ele tinha 76 anos. Dona Leonor tinha uma personalidade opressora. Era filha única de uma família criolla cujo status patrício derivava das gloriosas façanhas do coronel Francisco Suárez nas Guerras de Independência da Argentina. Borges se sentia unido a sua madre por um laço muito forte; a admirava por sua inteligência e por sua força de caráter, mas estava consciente de que sua mãe representava um obstáculo às suas relações com as mulheres. Dona Leonor era bastante esnobe e parecia não gostar de nenhuma das musas de ‘Georgie’. Foi ela quem escolheu a mulher que o filho desposou aos 67 anos, mas o matrimônio não durou muito. Meu livro tem muito o que dizer sobre o pai, porque teve um impacto sobre seu filho talvez maior que a mãe. Órfão de pai, Jorge Guillermo Borges foi criado por sua mãe inglesa e nunca se sentiu bem arraigado na Argentina. Ele era anarquista, livre pensador e mulherengo. Advogado de profissão, o que realmente lhe interessava era ser escritor, mas ele não teve êxito nesse projeto. Borges devia ao pai a introdução ao mundo dos livros, a ideia de ser escritor e certos valores políticos derivados do anarquismo e associados com a liberdade do indivíduo. Mas a relação de pai e filho foi bastante ambivalente. O padre promoveu a traumática iniciação sexual de Borges com una prostituta em Genebra, e isso o marcou decisivamente, agravando os conflitos do seu mundo interior.

Por que Borges, embora um homem interessado em política, não escreveu sobre ela? De fato, como eu descobri na pesquisa para o livro, ele teve interesse por política desde a juventude. Encontrei vários documentos que deixam ver a intensidade de seu interesse. Na realidade, posso demonstrar que Borges, longe de ser apolítico, foi um intelectual público durante toda a sua vida, mas nem por isso incorporou a política diretamente a sua obra. Por outro lado, se pensarmos no contexto em que Borges escreve e publica os seus textos, podemos encontrar alguns links. Por exemplo, o seu ‘Poema Conjetural’ saiu poucas semanas depois do golpe militar de 1943, e nesse contexto se pode ler com intencionalidade política.

Como Borges influenciou escritores pelo mundo? A meu ver, Borges é um dos grandes escritores do século XX e, certamente, o mais influente do idioma espanhol nos tempos modernos. Teve uma influência fundamental na literatura latino-americana, mas também um impacto notável sobre uma geração de escritores da Inglaterra, Estados Unidos, Itália, França e outros países, porque rechaçava o que considerava a fraude intrínseca do realismo e em suas mãos a ficção se abriu para a fantasia como também para preocupações francamente intelectuais e até filosóficas. Outra razão do prestígio internacional imenso de Borges foi a percepção de seus contos como antecipações de alguns dos temas principais da teoria crítica moderna. Suas reflexões sutis sobre o tempo e o eu, ou sobre a dinâmica da escrita e da leitura, haviam gerado textos que encarnavam ideais tais como o caráter arbitrário da identidade pessoal, o sujeito descentrado, a “morte do autor”, as limitações da linguagem e a racionalidade, a intertextualidade, ou a natureza historicamente relativa e “construída” do conhecimento humano (a saber, as “histórias” elípticas de conceitos abstratos, como a infâmia, a eternidade ou os anjos). Nesse sentido, Borges parecia ter prefigurado muitos dos temas da condição “postmoderna”.

 

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