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Antologia erótica vai do baixo excremento ao gozo do riso

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jul 2020, 00h39 - Publicado em 22 ago 2015, 00h07
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A professora Eliane Robert Moraes, da USP, organizadora da edição, durante a Flip 2015 (Walter Craveiro/Divulgação)

Maria Carolina Maia

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“Pois eu receio tanto essa tortura, / Que somente a lembrança de tua morte / Postou-me no urinol… a obrar soltura.” Entre o escatológico e o cômico, os versos da poeta fluminense Alexandrina da Silva Couto dos Santos (1859-1934) são reveladores da lírica erótica brasileira. É o que mostra a Antologia da Poesia Erótica Brasileira (Ateliê Editorial, 504 páginas, 82 reais), a mais ambiciosa reunião de poemas libidinosos escritos no país, fruto de um esforço de pesquisa da professora de literatura brasileira Eliane Robert Moraes, da USP, que ao longo de anos levantou mais de mil textos de cerca de trezentos autores.

Há desde os óbvios, como Gregório de Mattos e Vinicius de Moraes – embora com versos pouco esperados do “poetinha”, como “Antes que a terra a coma, como eu” –, a nomes surpreendentes como Bernardo Guimarães, o criador de A Escrava Isaura, que pontilha de palavrões a história de um pajé sexualmente revigorado por um feitiço do demônio, e autores anônimos que contribuem com textos representativos da cultura popular como O Marinheiro e a Velha. O poema é desses, tão integrados ao imaginário nacional, que soma variantes pelo país. A versão do livro, de 1910, tem estrofes como “Eu casei com uma mulher antologia_poesia_eroticavelha / Pra livrar da filharada, / Ao cabo de onze meses / Teve onze de ninhada”, versos que se encontram, com algumas mudanças, em Usina, música gravada há poucos anos pela banda pernambucana Mestre Ambrósio com letra recolhida das ruas: “Me casei com esta véia / Pra livrar da fiarada / A danada dessa véia / Teve dez numa ninhada”. Outro divertido poema popular, este sem data, trata dos flatos de Maroca: “Maroca tu deste um peido / na casa do Nicolau. / Rebentou quatro girau”.

Em meio a gêneros diversos, como quadras, haicais, does, elogias e, claro, sonetos, os traços que sobressaem desses poemas são mesmo o da alusão aos excrementos e o da comicidade, embora haja outros, menos frequentes, como o da morte, a rondar em especial poetas românticos como Álvares de Azevedo (“A pobrezinha em teu colo / Tantos amores gozou, / Viveu em tanto perfume / Que de enlevos expirou!”) e o religioso, que se lê, por exemplo, em uma Adélia Prado (“A santa sobre os abismos – / à voz do padre abrasada / eu nada objeto, / lírica e poderosa”).

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Que a tônica recaia sobre o que chama de “rebaixamento” pelo riso, pelo descomedimento ou pelo material desprezado pelo corpo, não causa admiração a Eliane Robert Moraes. Não apenas porque aponta uma característica interessante do brasileiro, afinal, outras culturas priorizaram o místico mais do que a nossa, que tanto se dedicou à escatologia que já deu a ela funções diversas na lírica amorosa. “Se até o século XIX a alusão escatológica vinha degradar o poema de amor, a partir do século XX, sua presença concorre em sentido inverso, ampliando as possibilidades expressivas da lírica amorosa, a ponto de ser associada à ‘poesia pura’”, escreve a professora.  Mas também porque o rebaixamento, como ela anota na introdução do livro, é parte de um procedimento que é “soberano da erótica literária” e “constituinte desse tipo de escrita”. Até por ter como lugar simbólico o baixo ventre, a convenção dominante da literatura erótica é colocar toda a experiência humana a favor do baixo-corporal, termo emprestado de Bakhtin, o filósofo russo que promoveu o bobo-da-corte a figura de proa em sua releitura da cultura popular na Idade Média. Entre baixos e baixios, contudo – é o que prova essa antologia –, muito verso bom pode rolar.

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Ilustração de Arthur Luiz Piza usada na antologia

“- Mui decentes eu não acho / teus vestidos, minha prima: são altos demais embaixo, são baixos demais em cima” e “- Noite de núpcias. O Gama / encontra a esposa envolvida / num lindo roupão e exclama: / – Posso, enfim, ver-te vestida!”, dizem duas quadras graciosas de Belmiro Braga (1872-1937), como para atestar as possibilidades do riso no erótico.

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E, mais do que o serviço antropológico que pode prestar ou a localização natural do pensamento erótico que pode indicar, o rebaixamento teria uma terceira e importante função. A lírica erótica, e isso também não é de espantar, sempre teve de lidar com a patrulha, a censura e a marginalidade, trinca contra a qual o humor – e também um bom punhado de excrementos – são muito bem-vindos. Que se faça o riso. Que se faça o gozo.

 

 

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