A literatura de Javier Cercas. Ou a ‘História’ como ficção
Depois de ter o livro Soldados de Salamina, que mistura realidade com ficção, apontado pela revista The New Yorker como um dos principais de 2011, o escritor espanhol Javier Cercas voltou a beber na fonte da história para escrever Anatomia de um Instante, recém-lançado no Brasil pela Globo Livros. Apesar de se sentir de mãos atadas ao deixar […]

Depois de ter o livro Soldados de Salamina, que mistura realidade com ficção, apontado pela revista The New Yorker como um dos principais de 2011, o escritor espanhol Javier Cercas voltou a beber na fonte da história para escrever Anatomia de um Instante, recém-lançado no Brasil pela Globo Livros. Apesar de se sentir de mãos atadas ao deixar de inventar tramas, Cercas disse não ter visto sentido em ficcionalizar o episódio espanhol que ficou conhecido como 23-F, uma tentativa de golpe de estado feita em 23 de fevereiro de 1981. “A história desse episódio é cheio de lendas, mentiras, meias verdades construídas por muita gente. Assim como não há um americano que não tenha uma teoria sobre a morte de Kennedy, não há um espanhol que não tenha uma para esse golpe. Pensei que seria irrelevante contar a ficção de outra ficção.”
A pesquisa para o livro, que durou alguns anos, deu origem a um romance que conta minuciosamente – não por acaso a obra leva a palavra “anatomia” no título – o que aconteceu naquele dia, quando um grupo de civis liderados pelo tenente-coronel Antonio Tejo invadiu a Câmara dos Deputados, em Madri. O golpe se mostrou um fracasso na manhã seguinte. Mesmo trabalhando com fatos reais, o escritor admite que alguma coisa em Anatomia de um Instante é fruto de sua imaginação, uma vez que, ao contrário de historiadores, ele se interessou por entender os personagens envolvidos.
“Não posso dizer que o livro não seja também um romance, porque ele tem uma estrutura de romance, com perspectivas múltiplas sobre o mesmo assunto. Eu tentei entender os personagens e mostrá-los não como deuses ou demônios, como alguns os veem, mas como pessoas”, diz. Essa seria, portanto, a diferença da história que escreveu daquela que se conta em livros escolares. Diferença que agradou aos estudiosos, segundo Cercas. “Todos receberam muito bem o livro, exceto pelos protagonistas, os políticos que estavam no parlamento no dia do golpe.”
Se a literatura tem a função de preservar a memória de um país, o espanhol não sabe. “Responder a essa pergunta é difícil, mas acredito que os escritores têm algumas obrigações: escrever bem, criar um mundo coerente e mudar a percepção das pessoas”, diz. Confira abaixo uma seleção das perguntas feitas a Javier Cercas, que recebeu VEJA Meus Livros na pousada em que se hospedou em Paraty.
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