Há muito em 2666, livro póstumo do chileno Roberto Bolaño, lançado neste ano no Brasil. Há muitas páginas, muita badalação – ele vem sendo apontado como “o” livro de 2010, afirmação que a essa altura do ano já se pode questionar – e também muitas referências. Bolaño parece tomado por um impulso avassalador de escrever. Percorre lugares diversos (Itália, Alemanha, Ucrânia, Estados Unidos, México) e momentos importantes do século XX, como a Segunda Guerra Mundial e o movimento negro americano, cria histórias dentro de histórias, personagens a partir de personagens, e cita estilo atrás de estilo, sem nunca perder o próprio, marcado por um ritmo ágil e um humor cínico em que transparece o ceticismo do autor. A começar pelo título: ele não diz nada. Talvez uma data, 2666 pode ser, como sugere o crítico Ignácio Echevarría no posfácio, um ponto de fuga para onde convergem as caudalosas páginas do romance, projeto de que Bolaño se orgulhava por ser o mais ambicioso da sua vida.
O livro é dividido em cinco partes, que têm links apenas sutis entre si. Na primeira, quatro intelectuais europeus (um italiano, um espanhol, um francês e uma britânica) travam contato e se tornam amigos a partir de encontros em que se discute a obra do escritor alemão Benno von Archimboldi. O tomo parece dever muito ao argentino Jorge Luis Borges, com suas brincadeiras com a cultura acadêmica, com autores e obras que só existem nos livros do próprio Borges, assim como Archimboldi só existe em 2666. O escritor só será apresentado na etapa final do romance, quando se conhecerá toda a trajetória de Hans Reiter, alemão que assume o pseudônimo de Benno von Archimboldi depois de estrangular um assassino de judeus, num acampamento americano de prisioneiros de guerra.
A segunda parte, tanto pelo humor absurdo como pelo fantástico, tem um toque de Gabriel Garcia Márquez. O professor Almafinato, um espanhol contratado para dar aulas na Universidade de Santa Teresa, cidade mexicana onde ocorre uma série impressionante de assassinatos de mulheres, e que parece ter a real Ciudad Juaréz como inspiração, é um personagem que sintetiza essas duas linhas. Meio pancada, tem um livro de geometria pendurado no varal de casa e escuta uma voz que lhe chama de “bichona”.
No tomo seguinte, sobre um jornalista negro – Fate – que trabalha em uma revista voltada a afroamericanos, se percebem ecos da literatura americana. Especialmente nos diálogos, cadenciados segundo o ritmo da fala local (algo como “O que que há, John?”, “A mesma desgraça de sempre, Mike”).
A marca quarta parte é a descrição dos incontáveis assassinatos de mulheres em Santa Teresa. São tantos que é impossível reter nomes de vítimas, locais dos crimes e métodos do assassino. E talvez seja precisamente esta a ideia do autor: transformar as vítimas em traços, como nos relatórios de estatísticas, banalizando os crimes cometidos contra as mulheres no México, ideia reforçada pelas passagens em que se vê o machismo local, como quando policiais contam piadas em uma lanchonete.
2666 é de fato abundante, porque Bolaño gosta de escrever – gosto que contagia o leitor. Ou porque quer assinar um projeto grandioso – como chegou a declarar. Ou porque sente urgência em fazê-lo – quando terminava o livro, o escritor já tinha por certa a sua morte por câncer, certeza que o fez determinar a divisão do título colossal em outros menores, modo de facilitar as vendas e manter financiada por algum tempo a sua família, estratégia que seus herdeiros rejeitaram, restituindo o projeto inicial do escritor de lançar o romance completo. Ou por tudo isso. Seja como for, as palavras transbordam no livro. Todo romance é feito de histórias menores, contos, que compõem a história maior. Neste, é possível encontrar narrativas breves completamente independentes do todo, como a do soldado alemão que se perde em túneis subterrâneos na Normandia, sonha com Deus, que lhe pede para comprar sua alma, embora já seja sua, é resgatado pelo pelotão, acha que teve uma revelação e um dia depois morre atropelado. É literatura em profusão. Daí, badalações à parte em torno da figura de Bolaño, autor cada vez mais mitificado no universo editorial, o livro ser um candidato de peso ao posto de melhor do ano. Algo que, a essa altura, já se pode questionar. E responder: tem grandes chances de ser.
Maria Carolina Maia

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