Dinheiro é tudo? O novo e surpreendente ranking dos países mais felizes
Finanças importam, mas senso de propósito e relacionamentos são vitais, conclui pesquisa global com mais de 200 mil pessoas; jovens são os mais infelizes

Quer uma boa notícia em meio ao caos? Enquanto o mundo parece se afogar em guerras, colapsos climáticos, crises econômicas e conflitos online sem fim, um estudo monumental tenta entender o que, afinal, nos faz viver bem. O Global Flourishing Study (GFS) é o maior e mais ambicioso esforço já feito para medir o bem-estar humano.
Liderado por Harvard, Gallup, Baylor University e o Center for Open Science, o estudo está acompanhando mais de 200 mil pessoas em 22 países (incluindo o Brasil) por cinco anos. O investimento: mais de 43 milhões de dólares.
A proposta: investigar o que é florescer (flourishing, no inglês original). Trata-se de um estado em que todas as áreas da vida estão nutridas e em equilíbrio. E tudo isso com com três diferenciais poderosos: o estudo é longitudinal (acompanha as mesmas pessoas ao longo do tempo), os dados são abertos para qualquer pesquisador interessado em analisá-los e dezenas de artigos científicos acabam de ser publicados com os primeiros resultados em revistas de ponta como Nature Mental Health e Nature Human Behavior.
Os temas desses artigos são uma aula de curiosidade científica: desde como o otimismo está distribuído globalmente, até os efeitos da dor física no bem-estar subjetivo, passando por preditores infantis de paz interior e como os vínculos sociais se transformam com o tempo. Tudo isso é analisado em países escolhidos estrategicamente, usando tecnologia da Gallup, para garantir diversidade geográfica, cultural, religiosa — e viabilidade de coleta de dados.
O que é florescer?
“Florescer”, no contexto do GFS, é um jeito amplo e profundo de entender o bem-estar humano. Não se trata apenas de estar feliz ou de se sentir bem no dia a dia, como muitas pesquisas tradicionais medem com perguntas do tipo “quão feliz você se sente?”. Florescer vai além disso e se baseia em seis pilares: bem-estar emocional, saúde física e mental, propósito, caráter, vínculos sociais e segurança financeira.
Assim, nos questionários apresentados aos voluntários, as perguntas incluem: “Quão satisfeita você está com sua vida?”, “Você sente que o que faz é significativo?”, “Consegue abrir mão de prazeres imediatos por objetivos maiores?”, “Você se sente segura quanto à moradia e alimentação?”, “Está satisfeita com seus relacionamentos?”. Tudo isso forma um índice de florescimento que compõe o que talvez seja o retrato mais completo já feito do bem-estar humano global.
Dinheiro não é tudo
Um dos achados mais instigantes do GFS é que dinheiro ajuda, mas está longe de ser tudo. Se a vida não parece fazer sentido, se faltam laços sociais e um senso de pertencimento, não há riqueza que dê conta. Países ricos até se saem bem quando o assunto é satisfação geral com a vida e segurança financeira — o que não surpreende. Mas tropeçam feio quando se avaliam dimensões como propósito ou qualidade dos vínculos.
O dado é provocador: o PIB per capita, em vez de ajudar, parece ter até uma correlação negativa com o senso de propósito. A Suécia é um ótimo exemplo — ocupa o segundo lugar em satisfação com a vida, mas despenca para a 19ª posição quando a pergunta é se a vida tem sentido. Em contrapartida, países de renda média como Indonésia, Filipinas e México aparecem no topo quando se trata de propósito, atitudes pró-sociais e bons relacionamentos.
Ou seja, quando o bem-estar é medido apenas com uma pergunta sobre “felicidade”, como no World Happiness Report, o mapa do mundo fica mais raso e econômico. Mas basta abrir a lente — incluir propósito, virtude, saúde mental, vínculos, segurança e mais — e a geografia do florescimento muda. Sem negar a importância do desenvolvimento, claro, mas lembrando que viver bem é muito mais do que viver com mais.
Veja o ranking do florescimento geral segundo o GFS, com os países e suas respectivas notas (até 10):

Olhar geracional
Já um dado que acende o alerta vem da juventude: os jovens estão mal. Em países como Estados Unidos, Suécia, Reino Unido, Austrália, Alemanha, Brasil e Argentina, a faixa de 18 a 24 anos aparece com os menores índices de florescimento. Isso rompe com a famosa curva em U do bem-estar — aquela teoria de que a satisfação com a vida é alta na juventude, cai na meia-idade e volta a subir na velhice. Agora, a curva se achatou e os mais jovens estão, em muitos contextos, à deriva emocionalmente.
Menos esperança, mais ansiedade e um sentimento difuso de falta de futuro. Por quê? Há várias hipóteses, e todas fazem sentido.
Parte é econômica: altos custos de moradia, inflação, dívidas estudantis. Outra parte é uma crise de sentido: as universidades ensinam técnica, mas poucos jovens encontram ali uma visão de mundo ou um lugar de pertencimento.
Novo normal
A participação em comunidades religiosas — tradicionalmente espaços de apoio e sentido — está em queda. Ainda não surgiram, de forma consistente, espaços capazes de substituir o senso de comunidade proporcionado pela religião ou espiritualidade. Soma-se a isso a superexposição às redes sociais (cujo impacto negativo sobre o bem-estar já foi bastante demonstrado), a fragmentação social, a polarização política que transforma o debate público em guerra e, claro, os impactos da pandemia.
Quem já tinha laços estabelecidos conseguiu atravessar a tempestade melhor. Já os jovens estavam justamente no momento de formar suas conexões — e foram interrompidos.
Dados para mudar o mundo
Mas o GFS não quer ficar só na teoria. Os dados já estão sendo usados para inspirar políticas públicas e projetos práticos. Byron Johnson, um dos líderes do projeto, leva os conceitos do florescimento para um dos lugares mais improváveis: penitenciárias de segurança máxima nos EUA, algumas famosas por seu corredor da morte.
Lá, ele coordena um trabalho com presos em programas de fé e transformação pessoal, investigando como espiritualidade, propósito e vínculos podem transformar o bem-estar até em contextos extremos. Johnson também está por trás do Center for Faith and the Common Good e participa de um esforço internacional para reformar prisões em vários países.
Outra iniciativa em andamento é a criação de uma rede internacional para aplicar, em larga escala, as lições do estudo. Batizada de Global Community of Practice for Flourishing, ela busca reunir acadêmicos, profissionais, educadores, ONGs, empresas e governos em torno de ações concretas para promover o florescimento humano, com foco especial no Sul Global.
Ancorada no Human Flourishing Program de Harvard, a proposta é transformar essa articulação em um movimento internacional baseado em ciência, que una dados, valores e ação. As discussões abordam temas como amizade, beleza, propósito, saúde global, ciência aberta e filantropia — tudo com um objetivo comum: integrar conhecimento e prática para sustentar, a longo prazo, um novo paradigma de bem-estar.
Se há algo que esse estudo gigante nos ensina, é que viver bem vai muito além de se sentir momentaneamente feliz. Viver bem é cuidar de múltiplas dimensões da vida, ter vínculos, propósito, saúde, segurança e espaço para crescer.
É possível medir isso. E é possível melhorar. O florescimento não é só um ideal — é um projeto coletivo. E ele já está em movimento. Com vários anos e ondas de coleta de dados pela frente, a pesquisa apenas começou a revelar suas descobertas — e o mais importante talvez nem esteja nos gráficos, mas no que faremos com eles. O convite para construí-lo está aberto.
* Ilana Pinsky é psicóloga clínica, doutora pela Unifesp. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), entre outros livros. Foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade Colúmbia. Siga a colunista no Instagram: @ilanapinsky_