A era dos influencers terapeutas: como não cair na lábia dos picaretas
Multiplicam-se nas redes sociais casos de pessoas que se vendem como 'especialistas em emoções', vendendo tratamentos para o sofrimento mental
 
                Se tem uma área em que o achismo, a falta de seriedade científica e o vale-tudo invadiram as redes sociais, confundindo tanto potenciais pacientes quanto aspirantes a terapeutas, é a saúde mental.
Nunca foi tão fácil virar “especialista em emoções” — basta um ring light, boa dicção e uma boa equipe de marketing digital.
A ironia é que, nas últimas décadas, psicologia e psiquiatria caminharam na direção oposta ao improviso: deixaram de depender apenas de interpretações livres e passaram a se consolidar como campos cada vez mais científicos.
Hoje, exames de neuroimagem, protocolos clínicos e revisões sistemáticas ajudam a mapear o que realmente o que pode ter bom resultado no tratamento da depressão, da ansiedade, da dependência e outros transtornos emocionais. Intuição e sensibilidade continuam centrais, mas a psicoterapia moderna é baseada em evidências — o que significa que suas técnicas são testadas, comparadas, replicadas e avaliadas antes de serem aplicadas a pessoas reais.
É um avanço civilizatório construído com muita pesquisa e colaboração internacional. Há, por exemplo, estudos fascinantes mostrando que terapias cognitivas podem literalmente alterar o funcionamento do cérebro em quadros ansiosos e depressivos. Tudo isso feito com centenas de pacientes, universidades de ponta e metodologias rigorosas. Um contraste gritante com as “descobertas revolucionárias” de quem publica meia dúzia de relatos de casos e chama isso de ciência.
Mas as redes sociais parecem decididas a devolver a saúde mental ao terreno do amadorismo. Multiplicam-se “terapias generativas”, “métodos quânticos de cura emocional”, “reprogramações familiares”, “psicogenealogia”, “coaches de vida”, que prometem transformações radicais em poucas sessões e dispensam qualquer compromisso com formação sólida ou com o mínimo rigor conceitual — embora adorem pinçar jargões científicos e citar artigos de procedência duvidosa.
Psicanalistas de dois semestres abundam. Há hipnoterapeutas que juram curar gastrites com técnicas de autoria própria (criada com base em quê, exatamente?); psicólogos que dizem ter desenvolvido abordagens “revolucionárias” aplicadas por milhares de leigos; e consteladores familiares que seguem firmes, mesmo depois de o próprio Conselho Federal de Psicologia classificar a prática como antiética, e passível de causar danos aos pacientes.
Muitos desses “terapeutas de rede” têm centenas de milhares, até milhões de seguidores.
Parte do problema é estrutural. No Brasil, a prática da psicoterapia nunca foi regulamentada como um ato privativo do psicólogo e do psiquiatra, mesmo após décadas de debate. O resultado é um campo vulnerável: qualquer pessoa pode, em tese, se autodeclarar terapeuta e oferecer atendimentos — o que nas redes sociais acabou ganhando proporções inéditas.
E parte do problema está no fato de que a saúde mental virou um objeto de desejo. Assim, a antiga ideia de que quem cuida da mente não deveria se comportar como vendedor foi se perdendo nas redes sociais.
O pacote típico do autointitulado especialista inclui uma narrativa de superação pessoal (“sofri por anos, nada me ajudou, descobri meu próprio método e agora ensino”), temas universais como procrastinação, traumas ou dores físicas “de origem emocional”, e jargões científicos usados fora de contexto. A promessa de transformação rápida ou da certeza da melhora — de preferência, atestada por depoimentos emocionados e acompanhada de um link para o curso pago — completa o roteiro.
Não faltam críticas às abordagens tradicionais, apresentadas como lentas, ineficientes ou antiquadas, mesmo quando seus conceitos (como mindfulness, inconsciente ou crenças limitantes) são recauchutados como invenções do próprio autor. Mais preocupante é o desprezo pela formação: há psicólogos que afirmam a seus milhares de seguidores que se formarão “terapeutas emocionais” que o diploma em psicologia é dispensável; e psiquiatras que vendem cursos de autoria própria como substitutos à residência médica.
O que está em jogo além da boa-fé de quem busca ajuda, é o esvaziamento de um campo que levou décadas para se firmar como ciência.
Claro que há formações melhores e piores — a explosão de faculdades de psicologia e medicina no Brasil nos últimos anos fala por si —, mas o ponto central é outro. A psicologia e a psiquiatria não são ciências exatas, mas são ciências.
Psicólogos estudam por cinco anos, passam por estágios supervisionados e precisam se manter em constante atualização. Psiquiatras cursam seis anos de medicina e fazem residência de pelo menos dois antes de atender pacientes. São formações longas, exigentes, e que pressupõem mais do que técnica: pressupõem ética.
Ética, aqui, significa basear a prática em evidências, não em palpites; em resultados testados, não em narrativas de iluminação pessoal. Significa também não vender melhora emocional como se fosse um produto como outro qualquer.
Não é difícil entender por que tanta gente cai nessas armadilhas. O acesso à saúde mental no Brasil continua precário: psicoterapia é cara, o sistema público é sobrecarregado e os tratamentos exigem tempo — algo que poucos têm.
Nesse contexto, é compreensível que terapias de fim de semana, métodos de “cura rápida” e cursos que prometem formar “terapeutas emocionais” em poucos encontros atraiam público. As pessoas estão em sofrimento, e muitas buscam apenas algum tipo de alívio. Junto com o desespero veio a falta de discernimento do que é tratamento sério e do que é improviso..
Essa confusão, somada à popularidade das redes sociais criou terreno fértil para práticas sem base científica e profissionais sem preparo.
Como não cair no conto dos picaretas
Para não ser enganado, aí vão alguns sinais de alerta para ajudara separar o joio do trigo.
Primeiro: verifique a formação. Como a psicoterapia no Brasil não é um ato exclusivo de psicólogos, qualquer pessoa pode se apresentar como psicoterapeuta — portanto, não presuma que o “influencer emocional” tenha estudado psicologia ou medicina, ou mesmo que tenha passado por um curso de formação sério.
Segundo: a formação após a graduação é tão importante quanto o diploma. Onde o psiquiatra fez residência? Que cursos o psicólogo realizou — de quanto tempo, com quem, em que instituição? Teve experiências em diferentes serviços clínicos?
Terceiro: procure saber se há envolvimento com pesquisa, ensino ou supervisão. No Brasil, o padrão-ouro é o Currículo Lattes, onde constam as formações, vínculos institucionais e publicações científicas. Profissionais atualizados costumam ter trajetórias coerentes com o que dizem fazer.
Quarto: observe o discurso. Quem trabalha com seriedade fala em evidências, não milagres; em processos, não “curas definitivas”.
Quinto: e uma regra antiga que sobreviveu à era dos algoritmos: confie mais em quem trabalha com pessoas reais do que em quem trabalha com engajamento. Encaminhamentos de médicos, psicólogos e outros profissionais de confiança continuam sendo o caminho mais seguro.
* Ilana Pinsky é psicóloga clínica e doutora pela Unifesp. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), entre outros livros. Foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade Colúmbia. Siga a colunista no Instagram: @ilanapinsky_
 
	 
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