Médico não deu dicas sobre ‘nova gripe’ e erva-doce não é igual a remédio
Boato compartilhado no WhatsApp conta duas mentiras em um só texto. Hospital das Clínicas da USP e laboratório que produz Tamiflu desmentem lorotas
Notícias falsas sobre qualquer assunto são sempre graves e indesejáveis. Em uma área em especial, a da saúde, no entanto, a desinformação gerada por esse mal pode se tornar, literalmente, fatal. Tem circulado no WhatsApp nos últimos dias um exemplar dos cada vez mais frequentes boatos com dicas fajutas para evitar ou combater doenças. O texto, que tem sido largamente compartilhado no aplicativo de mensagens instantâneas, conta duas lorotas sobre a gripe em uma só.
A primeira, por vezes acompanhada de um áudio, é a de que o diretor do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), “preocupado com a nova gripe que vai matar muita gente”, dá meia dúzia de orientações para evitar a infecção pela doença. A “nova gripe” seria a causada pelo vírus A/H3N2, que teve um surto nos Estados Unidos nos últimos meses e chegou ao Brasil.
A segunda é a de que o prosaico e singelo chá de erva-doce tem o poder equivalente ao de um remédio desenvolvido para combater o vírus influenza, da gripe.
O Me Engana que Eu Posto desmente os dois, nesta ordem:
Diante da proliferação do boato que o envolve, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP afirmou ao blog, por meio de nota, “que o áudio e o texto que estão circulando nas redes sociais, nos quais, supostamente, a Diretoria Clínica do HC faz um alerta sobre a gripe H3N2, não foram feitos pelo hospital”.
Sobre as “dicas” propriamente ditas, o Me Engana que Eu Posto ouviu a infectologista, virologista e pós-doutora em influenza Nancy Bellei, uma das maiores autoridades em gripe no Brasil.
Que os apreciadores de fígado bovino não imaginem estar mais imunes à gripe que os demais. A médica diz que o alimento não tem “nenhuma efetividade” contra a doença. “Até porque, recentemente, foi identificado o vírus influenza no gado. Se o fígado de boi tivesse alguma efetividade, o gado não teria influenza”, conclui.
Aos adeptos de coquetéis de Vitamina C, além dos crentes no poder preventivo do suco de laranja e do de acerola, que contêm a vitamina, Nancy Bellei esclarece que, ao contrário do que se propaga, o nutriente não evita a gripe. “O que há de concreto são estudos de voluntários universitários europeus que receberam doses terapêuticas de vitamina C durante semanas e, nesse período, houve diminuição do número de infecções respiratórias. Mas, nesse estudo, não houve eficácia em relação à influenza”, diz a infectologista.
“A deficiência de vitamina D, sim, que é menos absorvida em períodos de inverno muito rigoroso no hemisfério norte, pela falta de sol, tem maior relação com infecção por influenza, isso secularmente foi demonstrado”, ressalta.
A médica também ressalva também que o louvável hábito de higienizar as mãos com álcool em gel ajuda, mas não é determinante para prevenir a gripe. Isso porque, diz ela, o “mecanismo primário” da infecção é a “inalação de gotículas”. Ou seja, se você entrar em um elevador lotado e uma pessoa gripada estiver tossindo, pode ser contaminado mesmo que esteja com as mãos encharcadas de álcool.
Segundo dados do Ministério da Saúde, houve no Brasil, até o dia 7 de abril, 41 mortes por gripe, das quais 12 foram pela gripe A/H3N2.
Agora, a segunda mentira dentro do mesmo texto:
Sobre o tal superpoder do chá de erva-doce, que se assemelharia ao do Tamiflu, a infectologista Nancy Bellei diz que se trata de mais uma balela. Ela supõe que o boato seja uma adaptação de outro, que circulou na internet sobretudo em 2009, quando a Organização Mundial de Saúde declarou uma pandemia de gripe H1N1, a gripe suína, segundo o qual o anis estrelado, uma planta medicinal, seria uma alternativa caseira ao combate da doença.
Por meio de nota ao Me Engana que Eu Posto, o laboratório Roche, que desenvolveu o Tamiflu, nega que o medicamento tenha erva-doce em sua composição. Segundo o laboratório, o Tamiflu “é composto por fosfato de oseltamivir – princípio ativo que consta em bula aprovada no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária -, além de alguns excipientes, que são substâncias complementares à massa ou volume especificados em produtos farmacêuticos”. “Deste modo, não há, na composição de Tamiflu, o anis estrelado ou a erva doce”, completa.
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